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Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Sugerindo Nietzsche

08.03.25

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E disse-lhe Natanael: Pode haver alguma coisa boa de Nazaré?
João - 1:46

Minha relação com Nietzsche é complexa. Eivada de altos e baixos, amor e ódio, a experiência com este filósofo alemão me distanciou dele por um tempo. Reconhecido e bastante interessante, com uma escrita por vezes pulsante, poderosa e poética, Nietzsche produziu uma obra aparentemente eclética. Seu pensamento, no entanto, possui um fio delineador, um elemento comum que se desdobra em inúmeras variantes, conectados por um eixo: ele contesta todas as normas da sociedade ao seu redor. Todas as virtudes dos filisteus o desgostam.

Na sociedade em que vivemos, por exemplo, tanto o pequeno burguês quanto o proletário seriam indivíduos fracos. Para ele seriam praticamente idênticos. E isso é bastante natural sob sua lógica, já que o burguês médio é um indivíduo razoável; ele mordisca lentamente, segundo o sistema, acompanhando-se com frases emocionais, sermões moralizantes e declarações sentimentais sobre a sagrada missão do trabalho.

Como contraponto a esta visão, idealiza um super-homem burguês. Acontece que o opressor não age com diálogo, não escama lentamente sua vítima. O super-homem - com características oriundas da nobreza medieval em alguma medida - não age assim. Pelo contrário! Ele agarra, pega, saqueia, mata se necessário, come tudo até os ossos.

De acordo com Nietzsche, a humanidade se elevará ao super-homem quando tiver rejeitado a atual hierarquia de valores e, acima de tudo, os ideais cristãos e democráticos. A sociedade burguesa, pelo menos em palavras, respeita os princípios democráticos em épocas de estabilidade. Nietzsche não! Ele separa a moral na moralidade dos senhores e na moralidade dos escravos. Sua boca espuma com a palavra democracia. Ele está cheio de ódio pela democracia apaixonada pelo igualitarismo que se esforça para transformar o homem em um animal de rebanho desprezível. Acontece que as coisas correriam muito mal para o super-homem se os escravos adotassem sua moralidade, se a sociedade achasse indigno de si dedicar-se ao trabalho lento e produtivo.

Imagine o que seria de Spartacus, por exemplo, se invés de se reconhecer como escravo, tivesse aceitado servilmente sua condição de oprimido e não tivesse lutado? O que seriam dos oprimidos se abaixassem suas cabeças e não resistissem às injustiças às quais são submetidos diariamente? A história estaria estancada. Nesse sentido, parece-me interessante perceber o mundo petrificado que Nietzsche pretende construir. Seu super-homem é calçado em valores morais que remetem à nobreza feudal, uma sociedade dividida em estamentos na qual a nobreza e a realeza são as classes intelectuais reinantes, não podendo, portanto, trabalhar, enquanto aos servos cabe apenas o trabalho humano provedor de riquezas apropriadas pela rapinagem dos estamentos superiores.

A vida de um ser nobre, ensina Nietzsche, é uma cadeia ininterrupta de aventuras cheias de perigo. A felicidade não lhe interessa, mas sim a excitação adquirida pelo risco. “Cabe-vos acreditar e servir, lembrou-nos Zaratustra, dirigindo-se àqueles cujo número é demasiado grande. A casta superior é a dos “mestres, os “criadores de valores”. Para os mestres e somente para eles, a moralidade do super-homem foi criada. Que novidade, não? Ou desconsidera o filósofo que a nobreza feudal dividia o mundo entre aqueles que tinham sangue e azul e aqueles não o tinham? Quanta inovação.

Se, por exemplo, uma aristocracia como a da França, no começo da revolução, com uma náusea sublime renuncia aos seus privilégios e sacrifica a si mesma a uma exageração do seu senso moral, portanto, esta é corrupção — é o último ato de uma corrupção secular, através da qual, pouco a pouco renunciou às suas prerrogativas senhoriais e se rebaixou exclusivamente às funções reais (para degradar-se até transformar-se no ornato e pompa da corte). O essencial numa boa e sã aristocracia é que esta não se sinta como função, seja de um rei ou de uma comunidade, mas último significado e a mais alta justificação deles, e que recebe de boa consciência o sacrifício de inumeráveis indivíduos, que, por causa dela, devam reduzir-se a serem homens incompletos, escravos, instrumentos. O seu credo fundamental deve resumir-se nisso: que a sociedade não deva existir pela própria sociedade, mas simplesmente como base, como alicerce, para servir de sustentáculo, de meio de elevação para uma espécie eleita de ser para que possam atingir os seus altos misteres e de modo geral, uma existência mais elevada; ao lado do cipó fixado ao solo da Ilha de Java, o cipó matador — que se prende ao carvalho para subirem acima dele e para lançar à esplêndida luz do sol a pompa de suas flores e expor então ao mundo a sua felicidade. (Nietzsche, Friedrich. Além do bem e do mal, p.194)

Com base nessa leitura é que sugiro as obras abaixo. Cada qual a seu modo (refiro-me aos títulos), pretende mostrar o trajeto deste intelectual interessante. Nietzsche foi um aficionado por arte. Do seu jeito, a defendeu como matéria edificante. Desculpem-me aquelas pessoas que esperavam outros materiais. A ausência dessa ou daquela obra, no entanto, visa a respeitar uma lógica de pensamento cronológica, centrada nas interpretações que eu cá fiz. E se, mesmo dentro dessa ideia, algum livro se ausentou, deve-se também à carência de leituras de muito mais obras do autor.

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### 1. O Nascimento da Tragédia (1872)
- Por que começar aqui?
Esta é uma das primeiras obras de Nietzsche, onde ele explora a origem da arte grega e a dualidade entre o apolíneo (ordem, razão) e o dionisíaco (caos, êxtase). É um bom ponto de partida para entender suas ideias iniciais sobre cultura, arte e a crítica ao racionalismo.

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### 2. Considerações Extemporâneas (1873-1876)
- Por que ler em seguida?
Esta série de ensaios critica a cultura moderna e o historicismo, temas que Nietzsche desenvolverá ao longo de sua obra. Ajuda a entender sua visão sobre a educação, a história e a necessidade de valores autênticos.

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### 3. Humano, Demasiado Humano (1878)
- Por que agora?
Aqui, Nietzsche começa a se distanciar de Schopenhauer e Wagner, adotando um estilo mais aforístico e crítico. O livro aborda temas como moral, religião e psicologia, marcando uma virada em seu pensamento.

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### 4. A Gaia Ciência (1882)
- Por que seguir com este?
Esta obra é fundamental para entender a transição para a fase mais madura de Nietzsche. Aqui, ele apresenta ideias como a "morte de Deus" e o eterno retorno, além de explorar a relação entre arte, ciência e vida.

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### 5. Assim Falou Zaratustra (1883-1885)
- Por que nesta ordem?
Considerada por muitos sua obra-prima, é escrita em estilo poético e alegórico. Zaratustra apresenta conceitos como o super-homem (Übermensch) e a vontade de poder. É melhor lê-la após uma base nas obras anteriores para captar suas nuances.

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### 6. Para Além do Bem e do Mal (1886)
- Por que agora?
Este livro é uma crítica à moral tradicional e uma defesa de uma nova ética baseada na vontade de poder. É essencial para entender sua filosofia madura e sua visão sobre a natureza humana.

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### 7. Genealogia da Moral (1887)
- Por que seguir com este?
Uma das obras mais sistemáticas de Nietzsche, explora a origem dos valores morais e como eles foram construídos ao longo da história. É um complemento direto a "Para Além do Bem e do Mal".

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### 8. O Crepúsculo dos Ídolos (1888)
- Por que nesta fase?
Escrito próximo ao colapso mental de Nietzsche, este livro é uma síntese de suas críticas à cultura ocidental, à religião e à filosofia tradicional. É uma obra acessível e contundente.

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### 9. O Anticristo (1888)
- Por que agora?
Aqui, Nietzsche faz uma crítica ferrenha ao cristianismo e à moral judaico-cristã. É uma obra polêmica, mas essencial para entender sua visão sobre religião e valores.

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### 10. Ecce Homo (1888)
- Por que terminar aqui?
Este não li. Porém, por ser uma autobiografia filosófica publicada no final de sua vida, na qual Nietzsche reflete sobre sua vida e obra, achei interessante sugeri-la. Boa para fechar o ciclo, justamente por oferecer uma visão pessoal de seu pensamento e trajetória.

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### Considerações Finais:
- Ordem Justificada: A ordem proposta segue uma progressão cronológica e temática, começando pelas obras iniciais, passando pela fase de transição e culminando nos textos mais maduros e radicais.
- Estilo: Nietzsche escreve de formas variadas (ensaios, aforismos, poesia), então é importante estar preparado para diferentes estilos de leitura.
- Contexto: Recomendo sempre ler com atenção ao contexto histórico e filosófico, pois Nietzsche, como todo autor proeminente de seu tempo, dialoga constantemente com outros pensadores e com a cultura de seu tempo.

Boa leitura!