Memórias da casa da infância
Em Memória de meu avô, Jóe Dias, que viveu uma história de Amor com sua Julieta.
Como toda grande história esta também teve um começo. E este se deu no início do século passado com o casamento de Inácio Francisco Dias e Maria Dolores Dias. Desta união nasceram cinco filhos, o terceiro deles de nome Jóe Dias, que viria a ser o proprietário legal deste espaço que hoje nos encontramos.
Talvez muitos aqui conheçam a história desta casa, dos habitantes que nela residiram, de suas particularidades, suas intimidades, suas narrativas alegres e tristes, enfim, de seus causos, como diriam os antigos. Mas nosso relato inicia um pouquinho antes da construção deste querido prédio histórico, mais especificamente em 1945, ano em que Jóe Dias se casou com Julieta Galdino, a sua “Bilica”.
Essa união gerou muitos frutos: se estivessem vivos hoje, estariam com 23 netos, 27 bisnetos e 04 tataranetos. Mas nem tudo foram flores. Em uma época em que a privação era a tônica na região, a tenacidade de Julieta foi determinante para a sobrevivência da família, principalmente nos seus primeiros anos. Foram 12 filhos, nove deles chegaram à idade adulta, se emanciparam. Dos três que não sobreviveram, nenhum morreu de fome, apesar da imensa pobreza dos primeiros anos.
Jóe foi um grande lutador – e um farrista também. Como todo homem de seu tempo, trabalhava duro durante o dia para garantir a subsistência dos seus, sem deixar de beber aquela cachacinha com os irmãos e com os amigos. Quanto a Julieta, era uma mulher forte; uma matriarca destas que se encontram somente em livros de literatura: sua força interna se escondia atrás dos olhos tristes e da certa aspereza com quem mantinha relações pessoais. Sim, Julieta era uma mulher dura, às vezes rude, mas a dureza daqueles tempos demandava-lhe esta atitude.
Porém esta casa surge depois destes primeiros anos. Na verdade, seria erguida mais de duas décadas após o casamento, já com os primeiros filhos e filhas saindo da infância. Em 1952 Jóe conseguiu um emprego no SESI, onde trabalharia por 36 anos. Somente após este emprego e a possibilidade de se fazer certa economia que conseguiu levantar essas paredes. É claro que não fez isso sozinho! Primeiro contou com ajuda de Julieta, que foi obstinada nas economias. Mas também teve ajuda de seus irmãos Betinho (o mais velho) e Vilmar (o mais novo), ambos pedreiros; além dos amigos é claro, que, em um sistema comunal, ajudaram a erguer esta bela residência.
E quantas histórias cá se viveu! Quem não conhecia a casa do seu Jóe e da dona Julieta? Quantas crianças cá não choraram depois de serem espetadas pela siringa do velho? Sim, o velho Jóe era o “homem da injeção”, assim como o seu Fausto Brasil era o médico do bairro. Isso fez dele, obviamente, uma pessoa respeitada na comunidade. Mas não só! Respeitada inclusive na cidade, já que também fora um homem da política, um cabo eleitoral de mão cheia em seu tempo. Tanto que fora responsável pela iniciação de muitos jovens, arrumando emprego para vários aqui no bairro. E sem nada pedir em troca.
Quanto aos familiares, o que mas nos traz saudades são as reuniões em datas específicas: Páscoa, aniversários deles e Natal, por exemplo, eram momentos de alegria, em que todos e todas – filhos(as), netos(as) e bisnetos(as) – se reuniam em volta da mesa (com a Julieta sempre à ponta) para almoçar e tomar café da tarde. A família se reunia aos pés da velha, embora ao velho tínhamos também todos grande admiração e respeito.
Hoje, 17 anos de seu falecimento, nesta data tão especial em que comemoraríamos os 98 anos de idade de Jóe Dias, um novo capítulo dessa casa está sendo escrito. A inauguração deste espaço por um de seus netos lança um novo olhar sobre este “lugar de memórias”. E esperemos que seja vindouro e que traga tantas recordações boas quanto às que cá já existem. Tenho certeza de que se orgulhariam deste momento, como se orgulhariam com outros destinos já dados a este espaço, como a loja de produtos naturais de uma de suas netas.
Em local tão festejado e tão frequentado, com tanta alegria que cá vivemos, pouco importa que seja um bar, um boteco, uma loja de verduras ou um espaço cultural. Afinal, como dissera uma outra Julieta ao seu Romeu: “De que vale um nome, se o que chamamos rosa, sob outra designação teria igual perfume?” Sejam todos e todas muito bem vindos(as) à Casa do Vô (e também da Bilica) e que esta casa seja também o lar de todos e todas vocês.
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