Mafalda, a menina que questionou o mundo
Jean-Luc Godard est mort ! Acabo de receber a triste notícia de seu falecimento. O aclamado cineasta franco-suíço que marcou época como pioneiro de um movimento estético e político ocorrido na França chamado de Nouvelle Vague, durante os anos 1960, não está mais entre os mortais. É claro que sua ausência do cenário artístico já se fazia presente há alguns bons anos, mas sabermos que Godard, aquele diretor de Uma mulher é uma Mulher (1961), ainda vivia, era no mínimo reconfortante. Todos os aficionados por arte, por cinema e por cultura respeitam a figura do lendário Pierrot Le Fou, uma das múltiplas vozes deste genial cineasta, que deixou este plano aos seus bem vividos 91 anos de idade. Que descanse em paz e que viva na memória das próximas gerações.
No mesmo período, no entanto, em que eclodia para o mundo a arte godardiana na Europa, na América Latina, mais especificamente na Argentina, nascia uma menina bastante questionadora, politizada e forte, a Mafalda. Quino – cartunista portenho – foi quem a gestou, no ano de 1962, inicialmente para atender às necessidades de uma campanha publicitária. Dois anos mais tarde seria apresentada ao público, já redesenhada para a forma que a conhecemos e que aprendemos a amá-la.
Com a tomada do poder pelos militares em julho de 1966, nem a ditadura mais violenta da América do Sul foi capaz de calar essa menina audaciosa e questionadora. Não se limitando somente a questionar os regimes bonapartistas da América Latina, a menininha portenha falou de direitos humanos, direitos das mulheres e das crianças, bem como do cotidiano político da classe média argentina, alvo de vários questionamentos dessa garotinha de 07 anos.
Uma de suas paixões era pela democracia e carregava consigo um ódio pela guerra, o que claramente já mostra um certo grau de contrariedade aos regimes impostos na América do Sul do período. Neste cenário político conturbado, Mafalda se mostra insatisfeita não somente com a ditadura, mantendo ela um enorme leque de críticas a partir da sua visão "infantil" de certo e errado, mostrando quase sempre as incoerências e abrindo espaço para que o leitor chegasse à conclusão do que estava errado e do que poderia ser diferente.
Sempre atual, afinal o mundo é o mesmo de seu nascimento, a filha de Quino (Joaquín Salvador Lavado Tejón de nascimento) insiste em nos mostrar que suas preocupações continuam atuais, como no dia em que ouve no rádio a seguinte notícia: "O Papa fez um chamado à paz". Crítica e até irônica, Mafalda responde: "E deu ocupado como sempre, não é?".
Em épocas em que a palavra política parece provocar alergia nas pessoas e que pensar criticamente vem se tornando cada vez mais um trabalho árduo, nada melhor que relembrarmos de Mafalda, que contribuiu (e ainda pode contribuir) para a formação de algumas gerações, na América Latina e na Europa.
Que Viva Godart! E que Viva Mafalda! Godard vit ! Mafalda Vive!