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Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

A Arte para superar a realidade

03.10.22

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Estamos vivendo um daqueles momentos da história em que a humanidade mais uma vez se coloca perante uma encruzilhada. Desde a segunda grande guerra que o ser humano não se deparava com uma falência geral humanitária. Essa crise - que irá se aprofundar e que não deixa muitas margens de manobra para ser superada - vem levando o mundo à bancarrota. Estamos na berlinda entre o humano e a barbárie, sendo que, em boa parte do globo, o caos é o elemento predominante.

Nesse contexto em que as sociedades - conservadoras em sua essência - precisarão avançar em medidas de resistência visando a dar alguns passos à frente justamente para que não tenham que retroceder outros tantos em conquistas universais, é que a arte se torna imprescindível. Nietzsche já dizia: "Temos a arte para não morrer ou enlouquecer perante a verdade. Somente a arte pode transfigurar a desordem do mundo em beleza e fazer aceitável tudo aquilo que há de problemático no mundo".

Eis que essa frase parece-me fazer grande sentido em tempos sombrios como os que vivemos; neste tempo em que parece-nos afogar as esperanças, a destruir os sonhos pelos quais lutamos para que nos construíssemos enquanto sujeitos sociais transformadores e ativos neste mundo que nos pariu, a nós, humanos voláteis. A Arte como refúgio, como fuga desse processo de "endurecimento" da alma e reconfiguração estética do mundo capitalista é do que nos fala o genial filósofo prussiano do século XIX.

Portentosa qualidade essa da arte: a de servir como instrumento humano capaz de acalentar nossas angústias, de suavizar o desprezo ao próximo e de nos trazer um simples sorriso em épocas de descrença e de desespero. Ressignificar o mundo e nos fazer "sentir" o Belo dentro de seus escombros, de suas entranhas, nos ajuda a suportá-lo e a seguir em frente, tornando bem menos penosa nossa jornada social. Afinal, "sem chão", sem saída e desesperançosos em relação ao futuro, paralisamos.

Esse refúgio, necessário muitas vezes, pode ser gratificante, mas está longe de ser o protagonista isolado no que concerne ao usufruto das qualidades artísticas. Da arte espera-se muito mais. Citando Ernest Fischer (A necessidade da arte, p.57): “A arte pode elevar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total”. Em suma, ela permite o homem ir do em si ao para si. Nesse sentido, estabelece (a arte) capacidades novas em confirmação com a humanidade dos seres. Mais que isso, na verdade: capacita não somente o homem a compreender a realidade, ajudando a suportá-la, mas gabarita-o a transformá-la, na medida em que o estimula a torná-la (a sociedade) mais hospitaleira para a humanidade. A arte é social, é sociedade: interseccionam-se os dois termos e os dois conceitos. Não à toa a ojeriza que setores mais conservadores da sociedade têm da arte.

O mundo está em cacos, completamente diluído em ideologias. Destroçado, fragmentado, em chamas. E a arte genuína, como uma ferramenta de perseguição e combate à estupidez gerada por um capitalismo em crise e decadente, sobrevive a sua mercantilização (para o bem de todos!). E desde que prossiga o seu caminho, continuará nos mostrando o mundo de uma maneira transgressora, descarnando-lhe a dura realidade e mostrando-nos com contornos vivos, de uma forma dialética, o que pode e deve ser mudado. Sonhos não possuem data de validade é bom lembrar! E até as fundações aparentemente mais sólidas são varridas como poeira de tempos em tempos. É necessário que avancemos e que superemos Nietzsche pela "positiva", ou, como diria Trotsky, pela revolução permanente, para quem sabe voltar a nos lembrar dele, só que desta vez como chave de memória, não como lamentação de um estado fático, podendo dizer também que a arte venceu finalmente.

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