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Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Edson Arantes se foi, Pelé é Eterno!

30.12.22

Pelé no Vasco, em 1957

Um dia chegaria esse momento. Inevitável. Todos sabíamos que um dia nos despediríamos dele. E mesmo que estivéssemos preparados, ou que estivéssemos nos preparando, não tínhamos ideia que seria bastante doloroso. Quinta-feira triste para todos(as) os(as) amantes do futebol.

Nascido em Três Corações, estado de Minas Gerais, em outubro de 1940, ainda pequeno foi para a cidade de Bauru, interior do estado vizinho, São Paulo. Aos 15 anos foi para o Santos, equipe em que ele ajudou a engrandecer - junto com seus companheiros - e que lhe deu fama.

Futebol é um esporte coletivo e seria muito injusto consagrar somente a Pelé o sucesso de uma equipe que era um verdadeiro esquadrão. Quem nunca ouviu falar do quinteto Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, o ataque de 3 mil gols? Quem não conhece o Santos Futebol Clube, o clube de futebol mais famoso de todo o planeta?

Pelé marcou 1282 gols em 1300 e tantos jogos oficiais, uma marca de 0,93 gol por jogo. Jogou em gramados de péssima qualidade comparados aos de hoje e com bolas longe dessa tecnologia toda, uniformes pesados e quentes. Pelé é completo: ambidestro, cabeceador nato, driblador inteligente, forte e um atleta muito resistente e veloz: percorria com a bola nos pés 100 metros em 11 segundos. Um espanto! Com Garrinha formou a dupla mais vitoriosa da história do futebol de seleções: enquanto estiveram os dois em campo, a seleção nunca perdeu um único jogo sequer. E foram vários jogos: 40 em um pouco mais de 8 anos, para ser mais exato, com 36 vitórias e 4 empates.

Pelé foi único. E não somente pela sua qualidade. Em um país acostumado com grandes craques, há muitas dúvidas em sua superioridade técnica em relação ao seu parceiro Garrincha, outro gênio da bola (pela esquerda havia o canhoteiro, ponta esquerda do São Paulo). Mas Pelé o transcende, senão pela qualidade técnica (acho o Garrincha mais genuíno, mais espontêneo, menos atleta no sentido de cuidar de sua carreira), pela sua importância no futebol. E isso é inegável e o repetir é "chover no molhado", como cá dizemos.

Em um país que teve Leônidas da Silva, Ademir de Menezes, Ademir da Guia, Didi, Canhoteiro, Vavá, Pepe, Dorval, Rivelino, Gérson, Tostão, Everaldo, Zico, Falcão, Dinamite, Romário, Edmundo, Ronaldinho Gaúcho, Ronaldo e outras centenas de craques, as estrelas de Pelé e Garrinha se destacam. Em um continente que gerou Di Stéfano, Juan Schiaffino, José Andrade, Teófilo Cubillas, Maradona, Luiz Soares, Messi e outros tantos, Pelé é reverenciado. E não somente pela sua técnica, praticamente perfeita, mas pela revolução que causou no futebol.

É notória a linha divisória que há neste esporte tão aclamado mundo afora: uma antes, outra depois do Rei. Ninguém mudou tanto a história desse esporte (e de outro qualquer, talvez) quanto Pelé. Se Didi criou a folha seca, Leônidas da Silva, a bicicleta, Cezário Onzari, o Gol olímpico, Garrincha, o drible sem bola e Sérgio Echigo criou o elástico (alô, produção: o Rivelino o imortalizaria tempos depois), Pelé fez todo o resto. Tanto que não há nada que seja feito hoje que Pelé já não fizera.

A não ser o gol de meio de campo, jogada criada por ele na copa do mundo de 1970. Mas até aí brilha sua estrela genial, pois não é incomum o relato orgulhoso de um atleta que o marca afirmar que marcou o gol que Pelé não fez. Fato inusitado, por sinal, pois desconheço atletas, fora Pelé, lembrados por lances seus que "não deram certo".

Mas há um fato que muitos desconhecem: Pelé nasceu vascaíno. Em 1957, enquanto o Club de Regatas Vasco da Gama fazia uma incursão pela Europa, aplicando goleadas em Barcelona e no Real Madri do Di Stéfano, o clube carioca fez um combinado com o Santos e montou um elenco para disputar o torneio. Ambos com os seus jogadores mais jovens. E Pelé, então com 16 anos e reserva da equipe da Vila Belmiro, teve sua oportunidade.

Vestindo a camisa do clube do coração por 03 partidas (jogaria mais uma neste torneio vestindo a do Santos), disputou um torneio intercontinental com clubes do Brasil e da Europa, sagrando-se, pela primeira vez, campeão em sua carreia. Um título não contabilizado em sua estante vitoriosa, mas que serviu para chamar a atenção das imprensas carioca e nacional, impulsionando-o imediatamente para a seleção brasileira na semana seguinte, onde disputaria o torneio La Roca, terminando como vice-campeão para a Argentina.

Pelé nunca escondeu sua paixão pelo Vasco. Em 2020, revelou gratidão pelo clube por ter sido lançado neste torneio, no combinado das duas equipes. O Rei do Futebol reafirmou ser vascaíno e disse que, se pudesse escolher outro time para ter defendido, escolheria o Vasco da Gama. Nascia ali, naquele torneio, uma Lenda, um Imortal. Porque gênios não morrem, perduram. Edson se foi; Pelé é Eterno! Edson é homem, um ser humano imperfeito. Pelé não.

Em um país onde os negros são apagados em decorrência do racismo (outro vascaíno, Adhemar Ferreira da Silva, maior atleta olímpico do país, que o diga, assim como Rebouças, engenheiro...), Pelé é imortal! Que descanse em paz o Edson Arantes do Nascimento e que Viva Pelé por vários séculos, Rei do esporte mais praticado no mundo.

Retrospectiva 2022

26.12.22

Retrospectiva animada

Apresento uma seleção de artigos e textos produzidos para este blog neste ano de 2022. Trata-se de uma seleção de 17 textos em que discuto teorias política e literária, além de arte, cultura pop e até tecnologia.

O ano foi relativamente produtivo aqui: publicou-se ao todo 40 textos. Organizados em ordem cronológica e seguindo ao título uma breve explanação do que trata o artigo, a ideia é que o(a) leitor(a) explore o menu em busca daquilo que lhe mais interessar, bastando clicar sobre o título para que se abra em uma nova aba o(s) texto(s) de sua escolha.

Convido-os a ler(em) toda a seleção, devagarinho; garanto-lhes que muitos textos lhe(s) trar(á)ão prazer, além de contribuir para o enriquecimento do debate público. BOA LEITURA!!

                                   Janeiro

Sonhos, acreditemos neles; um "Réquiem" à vida para levantarmos dos escombros deixados por dois anos de pandemia e avançar, sempre. Escrito em forma de crônica;

                               Fevereiro

Como aplicar metodologias de pesquisas nos estudos literários – algumas considerações; as metologias científicas são pensadas para orientar as pesquisas acadêmicas e científicas em disciplinas exatas, como a matemática. Com o avanço dos estudos científicos nos estudos literários, como orientar as pesquisas se apropriando dessas metodologias? É disso que trata o artigo;

Socialismo e meritocracia; uma discussão pouco vista e bastante importante para a compreensão do socialismo;

                                       Abril

O que é Linux; um apanhado geral sobre o que seria Linux e porque hoje é uma tecnologia dominante;

A deliciosa inutilidade da Literatura; um delicioso e curto artigo visando a mostrar que a literatura é muito necessária, apesar de vilipendiada;

                                      Junho

A cultura popular no nordeste brasileiro sob a ótica de Ariano Suassuna, dramaturgo brasileiro; o sertão nordestino, em especial a região do Cariri, é um ambiente riquíssimo culturalmente. Lar de grandes artistas e pensadores que bebem de uma cultura variada;

                                    Agosto

Um passo a frente, dez passos para atrás; sobre a decadência geral do capitalismo global e do capitalismo brasileiro em particular;

                               Setembro

Norma oculta; uma discussão mais profunda sobre a função social e política da norma culta padrão da língua portuguesa e de como ela é utilizada para a segregação social. Muitas de suas contradições e incongruências são levantadas neste texto fundamentado em grandes teóricos e cientistas da área. Apesar do assunto, um texto leve e didático;

Mafalda, a menina que questionou o mundo; uma homenagem à "menininha" de Quino, quadrinista argentino;

A Palavra-Poema; poema curto sobre poesia;

                                  Outubro

A Arte para superar a realidade; um dos muitos aspectos da Arte;

Boop-Oop-a-Doop – Viva a Betty Boop; um artigo delicioso de ser escrito e que discute aspectos bastante relevantes de uma personagem icônica da indústria cinematográfica estadunidense e da cultura pop atual;

Grandioso cavalheiro; poema curto sobre o dinheiro;

O Demônio da Literatura; Só se pode chamar ciência ao conjunto de receitas que funcionam sempre. Tudo o resto é Literatura.

                               Novembro

Existem ditaduras de esquerda?; um debate super importante e muito atual. É bastante comum - em discussões políticas e sociais - a comparação entre regimes autoritários de direita aos de esquerda. Mas existem ditaduras de esquerda? É o que se discute aqui;

Liberalismo é uma Religião; a origem religiosa da teoria liberal e a maneira deturpada de como seus intelectuais olham para a realidade;

                               Dezembro

O que é Comunismo?; uma necessária discussão. Texto curto, leve e introdutório sobre o tema. Em breve outro trabalho mais "robusto" sobre o assunto.

Ao Papai Noel

25.12.22

Papai noel na era do capital

Ademar Bogo - Carta de Amor 146 - Ao Papai Noel

Antes de se transformar, o Natal foi uma bela e sincera festa popular. Originou-se no dia em que no Norte do planeta iniciava-se a estação fria. O povo, por duas semanas, fazia a despedida. Sabendo que faltaria comida, muitos poderiam morrer; por isso era preciso festejar e torcer, para que quando o calor voltasse a aparecer, ainda houvesse vida.

Os Romanos em sua cultura homenageavam Saturno, o deus da agricultura. “Saturnália” era o nome da comemoração. Sendo inverno, não havia produção, e, por isso, a terra descansava. Dessa forma, o povo festejava a longa espera, aguardando o despertar da terra, quando de novo o trabalho começava.

No século quarto, o Papa Júlio Primeiro, aproveitou, também por ser festeiro, e unificou a tradição com o Natal. Novidade, nascimento, trabalho, agricultura, ficou tendo por igual o mesmo significado. É tempo de rever o que está errado, modificar as práticas e o comportamento. É sempre um renascimento que deve ser considerado.

Mas Dezembro também, em todos os rincões da terra, o Papai Noel se espera. Deve vir de algum lugar com sua maestria para trazer-nos um pouco de alegria. Seu nome está associado à cortesia, visitas, presentes e fantasias que nos tornam mais fraternos, embora nestes tempos modernos, todas as coisas viram mercadorias.

Mas de onde ele se originou? Quem foi que o inventou e o transformou neste personagem popular? Para tudo o que se inventa, há um lugar e um dia. Esse também, em Myra, hoje Turquia, por volta do ano quatrocentos, nasceu com um senhor, astuto e trabalhador, que dava aos pobres com amor, todos os anos, parte de seus proventos.

Mais tarde por ter marcado tanto, foi declarado santo. São Nicolau, conhecido em todo canto, agora por Papai Noel. Vestia-se de Verde para fazer o seu papel de artista da alegria. Fantasiado ninguém reconhecia quem era o novo pai dos desvalidos. Tornou-se por isso conhecido e até hoje - o ano inteiro - espera-se pelo seu dia.

Aos poucos tudo foi se elitizando. O mercado assumiu o comando, impondo o modo da comemoração. Perdeu-se o sentido da distribuição, da renda, dos lucros e dos ganhos acumulados. Ao contrário, aproveita-se nestes tempos exaltados, para acumular ainda mais. As relações tornaram-se comerciais e os sentimentos foram domesticados.

Para aumentar ainda mais o consumismo, o capital, com seu cinismo, modificou também a sua cor. Para tornar a Coca-Cola um louvor, fez do Papai Noel sua referência. O Vermelho como parte da consciência tingiu o personagem atrativo e o produto, enfadonho e corrosivo, passou dos grandes e dos pequenos o ano inteiro tendo sua preferência.

Mas o Natal ainda é uma festa popular. Temos que comemorar como parte desta herança. Presentear os adultos e as crianças com objetos de nossa cultura. Evitar o plástico e a usura e ajudar a consciência a renascer. Renegar o que nos faz empobrecer nos valores, nas virtudes e na ternura.

Aproveitemos o momento já existente para reencontrar os vizinhos e os parentes e trocar energias positivas. Festejar as conquistas decisivas que tivemos alcançado. Reafirmemos que seguiremos lado a lado no decorrer do ano novo. Afinal, este é um dos poucos momentos onde o povo tem que assumir o seu papel e não ser representado.

Sem fingir nem fantasiar, sejamos o Papai Noel em cada lar. Distribuamos virtudes e valores para derrotarmos os mercadores dos sonhos e objetos. Que cada gesto seja lúcido e concreto para que a terra adormecida se orgulhe de ter-nos como moradores.

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O que é Comunismo?

24.12.22

Foice e Martelo

Dentre as perguntas do tipo “o que é”, feitas no Google Brasil, aquela que mais cresceu neste ano foi “o que é comunismo”. É o que revelou levantamento recente do próprio Google.

Sem dúvida, tamanha curiosidade no país se deve, em parte, à campanha de demonização feita por Bolsonaro e pelo falecido Olavo de Carvalho, que elegeram o comunismo como “o” alvo de suas ofensivas ideológicas.

Mas o grande responsável pelo crescimento da curiosidade sobre o comunismo é o próprio capitalismo. Sim, o capitalismo. Vejamos: apenas nos três últimos anos a) vimos o surgimento da pandemia da COVID-19, que ceifou mais de 6,6 milhões de vidas em todo o mundo; b) assistimos o aumento da concentração de renda, onde 2 mil bilionários têm mais riqueza do que 4,6 bilhões de pessoas; c) sentimos na pele de forma cada vez mais drástica as consequências das mudanças climáticas, com prognósticos nada animadores; d) e acompanhamos a guerra da Rússia contra a Ucrânia que reavivou o temor de uma nova guerra mundial.

Diante disso, é natural que as pessoas queiram conhecer uma alternativa ao capitalismo.

 

Um espectro ronda (novamente) o mundo

No Manifesto Comunista, de 1848, Marx e Engels perguntavam provocativamente: “Que partido de oposição não foi acusado de comunista por seus adversários no poder? Que partido de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a pecha infamante de comunista?”

No Brasil, bolsonaristas acusam partidos como o PT e o PCdoB de serem comunistas, stalinistas, por seu turno, dizem que a URSS sob Stálin era comunista… Mas, afinal, o que realmente é comunismo?

Podemos dizer que a palavra comunismo tem dois sentidos que se conectam: 1) é um movimento político dos trabalhadores; 2) e é uma outra forma de organizar a produção e distribuição de riquezas que criaria, por consequência, uma outra forma de se viver em sociedade.

Os dois sentidos partem da constatação de que a sociedade capitalista é dividida entre duas poderosas classes sociais: burgueses e proletários. Ou, dito de outra forma, capitalistas e trabalhadores. Duas classes cujos interesses são completamente antagônicos já que a fonte da riqueza de uma destas classes advém da exploração da força de trabalho da outra.

 

O que é Socialismo

Embora seja tratado como sinônimo de comunismo, socialismo e comunismo não são a mesma coisa. Quando falamos em socialismo nos referimos a uma sociedade com um modo de produção surgido de uma revolução dos trabalhadores, onde ainda haverá burguesia e ainda haverá Estado.

Porém, diferente do que acontece no capitalismo, o Estado no socialismo não será controlado pela burguesia, mas pelos trabalhadores que imporão uma ditadura do proletariado sobre a burguesia para impedir que ela tome de volta o poder e volte a explorá-los. O verso dessa moeda é que essa ditadura sobre um punhado de burgueses será uma formidável democracia para os milhões de trabalhadores do meio urbano e rural e para a população pobre.

No Socialismo, os meios de produção (indústrias, plataformas, grandes extensões de terras etc.) deixam de ser propriedade privada dos capitalistas e se tornam propriedades coletivas sob o controle do Estado operário. Estabelecendo planos econômicos, os trabalhadores decidirão sobre o “que”, “como”, “quanto” e “quando” produzir, atendendo as necessidades sociais e, de quebra, acabando com o desperdício. É o fim da anarquia do mercado.

Mas, para tanto, o socialismo deve ir além das fronteiras nacionais, e ser impulsionado por aquilo que Leon Trotsky chamou de revolução permanente.

 

O que é Comunismo?

O comunismo é a evolução do socialismo. Nele, o Estado terá se extinguido assim como as próprias classes sociais que lhe deram vida. A propriedade privada da terra, das indústrias e dos medicamentos serão vagas lembranças, difíceis até de serem explicadas para as futuras gerações.

A concorrência entre os trabalhadores será substituída pela mais genuína cooperação, extinguindo-se, assim, a base material de opressões como o racismo e a xenofobia. Como resultado lógico do desenvolvimento científico e tecnológico alcançado, a jornada de trabalho será reduzida a um mínimo necessário e será decidida e distribuída por produtores livremente associados.

Se hoje o desenvolvimento tecnológico se volta contra os trabalhadores produzindo mais desemprego e intensificando o trabalho, no comunismo isso será radicalmente diferente. A automação do trabalho, por exemplo, será utilizada racionalmente para aumentar a produtividade de riquezas sociais e oferecer tempo livre para os trabalhadores desenvolverem seus interesses e vocações livremente. Praticar esportes pela manhã, trabalhar por três horas depois, atuar em peças de teatro à tarde, desfrutar de um cinema a noite… livre das correntes do trabalho alienado, os seres humanos se reconciliarão com o trabalho e poderão experimentar uma jornada histórica verdadeiramente humana.

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O Homem moderno

03.12.22

Índice

Por Dario Souza da Silva

O homem moderno vive encarcerado em si mesmo. Não tem tempo de contemplar, pois isto não é rentável. Não pode dar-se o luxo de ausentar-se, muito embora raras vezes esteja de fato presente de corpo e alma. Sua mente leva sua alma para os recônditos mais remotos onde tece tramas em que seu EU é o protagonista. Mas sua casca, seu corpo, este que perde o vigor com o passar dos anos e que sente a dureza da vida, permanece ali estático, aguardando em mais um congestionamento no trânsito, numa fila de banco ou num caixa de supermercado.

Aguardando, aguardando e aguardando este homem segue. Tão cheio de si, tão seguro de seus pensamentos, de seus desejos e de suas convicções, que mal pode olhar para o lado e contemplar a beleza de uma flor, as sutilezas de um olhar, a divindade da vida por si só.

Este homem se olha no espelho e não percebe ali naquela imagem, naquela casca, o que em verdade habita o seu interior. Continua escravo de seus pensamentos e emoções, escravo da propaganda e da mídia, continua sempre adiante no frenético ritmo do consumismo capitalista, na desenfreada busca pelo reconhecimento alheio, juntando migalhas em busca de medalhas.

Este homem segue! Resignado de si. Encarcerado em sua realidade, aprisionado por suas vontades, ansioso pelas novas notícias, pelas fotos, tecnologias de ponta, por um aumento, uma promoção, um aplauso. Este homem sabe de tudo, conhece de tudo, mas esqueceu-se de si.