Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

A deliciosa inutilidade da Literatura

24.04.22

máquina de escrever.jpg

Retrato, de Cecília Meireles.png

 

 

 

 

 

 

 

A epígrafe deste texto talvez não fique clara à primeira vista. Este belo Retrato de Cecília Meireles fala sobre os efeitos do tempo e de como - embrenhados em nossas atividades cotidianas - perdemos nosso vigor e nossa juventude. O "eu poético" denota um certo tom de arrependimento por não ter vivido plenamente e por ter deixado a juventude e o vigor escaparem-lhe pelas mãos sem que notasse.

Mas juro! Juro que a epígrafe cabe na medida do bolso para este curto ensaio. Primeiro porque falamos de Literatura, como sugere o título; depois porque falamos de sua (in)utilidade. Em vários outros artigos aqui neste blog dissertei sobre o tema, visando a justificar a necessidade da arte e da literatura e intentando mostrar a indispensabilidade de ambas em um mundo como o que vivemos, principalmente neste mundo onde vivemos.

E este é um raciocínio que continua válido, afinal não seria sensato cuspir no prato em que como. Carlos Drummond de Andrade no poema No meio do caminho assim canta: No meio do caminho tinha uma pedra / tinha uma pedra no meio do caminho / tinha uma pedra / no meio do caminho tinha uma pedra (...). São belos versos de um poema muito conhecido de um dos nossos poetas maiores e que serviriam também para ilustrar brilhantemente a epígrafe deste texto que pretende responder a pergunta "Pra que serve a Literatura?".

A este questionamento sejamos categóricos e assumamos uma postura corajosa ao respondê-lo: a Literatura não serve para nada, não tem qualquer utilidade. E acrescento: essa sua inutilidade além de indispensável é deliciosa. Mas o que se pretende dizer com isso?

Antes de mais nada coloquemos as coisas em ordem: por "utilidade" compreende-se geralmente a produção de algum bem ou serviço que tenha usufruto imediato. Este o sentido mais prosaico e que se remete diretamente a um bem (i)material. Sob este aspecto, a atividade do professor que ensina sua disciplina é prática, assim como a da médica, que prescreve seus medicamentos e a da engenheira, que realiza seus cálculos para a construção de um edifício. Essa perspectiva não é válida, contudo, para a Literatura, assim como para a arte em geral.

Confessar entretanto sua inutilidade não é o mesmo que afirmar que ela seja desnecessária. Pelo contrário! O fato de não solucionar um problema imediato não a qualifica como algo supérfluo. Caso assim fosse, a própria ciência seria supérflua em muitos aspectos. Bem da verdade, ela é essencial ao ser humano, como dissertei várias vezes por estas paragens.

Imbuído de um espírito pragmático no sentido mais estrito e banhado por propagandas constantes que buscam não transmitir uma mensagem senão vender alguma coisa, o ser humano contemporâneo se vê muitas vezes a si próprio como uma mercadoria que deve ser útil se quiser ser boa e não ser descartável. Isso faz com que tudo a nossa volta seja percebido sob essas lentes: se for vantajosa a manutenção de um relacionamento, por exemplo, por que desprezá-lo? Se fulano ou cicrano me trazem retorno, me agregam clientes ou trazem outras possibilidades por que dispensar esses relacionamentos mesmo que sejam danosos, não sejam de confiança ou camaradagem? Este espírito oportunista de serventia prática que permeia nossas relações e que transmite ideias como a de "sujeito pró-ativo" ou "sujeito reativo", que já se tornaram jargões entre os trabalhadores, significa o inverso daquilo a que a Literatura se propõe.

Essas relações interpessoais nas sociedades contemporâneas, fragmentadas e guiadas por interesses de cunho meramente prático e mercadológico, aceleradas todas elas e padronizadas todas, provocam muitos males em massa, ocasionando também as sensações de incompletude, de incompetência e de frustração, muito bem apresentadas pelo sucinto poema de nossa grande poetisa.

A literatura e a arte caminham na contramão dessa lógica utilitarista, sendo portanto inúteis em nossa sociedade, embora necessárias. A partir do viés pragmático, por exemplo, a simples existência de uma pedra no meio do caminho seria desprezada. No contexto da Literatura, com toda sua carga simbólica e sua preocupação com a "beleza", o obstáculo não é desconsiderado, podendo ser a pedra a ignorância que nos bloqueia. E se é correto que o poema de Drummond não auxiliaria o operário na manutenção da via em questão, não é inverdade que sua poesia o daria ao menos o curto acesso a um instante de beleza.

---------------------------------------

Leia também:

 

O que é Linux

13.04.22

Linux.png

Este é um texto de apresentação, em que a ideia é simples: aproximar o leitor curioso do universo do software livre, mais especificamente do universo Linux. As informações contidas neste pequeno “ensaio” têm o caráter informativo e visam a demonstrar – com base em minha experiência em 20 anos como usuário de distribuições Linux – as facetas e as (multi)funcionalidades do sistema do pinguim.

 

Um breve histórico

Tudo começou com o Unix, antigo sistema operacional criado por Ken Thompson nos laboratórios da Bell AT&T, nos EUA, em 1965. Sua ideia foi a de criar um sistema multitarefa e compartilhado (vários usuários compartilhando os recursos de um único computador). Arrojado para o seu tempo, passou no entanto por várias melhorias até o seu lançamento, em 1983, em que incicou-se dua comercialização com o codinome Unix System IV. Hoje em dia o Unix ainda existe, mas limita-se a mainframes (computadores poderosos), custando o olho das ventas.

Pouco tempo mais tarde, mais especificamente no ano de 1985, um professor holandês de nome Andrew Tannenbaum desenvolveu um sistema de exploração mínimo baseado no Unix para ensinar programação a seus alunos. Ele o chamou de Minix. Porém, diferentemente do original, este era gratuito e com o código fonte disponível. Ou seja, qualquer programador poderia fazer alterações neste sistema.

Somente em 1991 surge o Linux. Elaborado pelo finlandês Linus Torvalds, que decidiu desenvolver um sistema operacional que fosse mais poderoso que o Minix e parecido com o Unix, feito contudo de forma diferente. Deixe-me falar que o Linux foi construído a partir do código fonte do Unix, assim como o Mac OS. Torvalds nunca teve intenção de ganhar dinheiro com sua criação, pois o objetivo foi o de criar um sistema para uso pessoal. O estilo de desenvolvimento adotado foi o de ajuda coletiva, ou seja, por meio da coordenação de esforços coletivos de vários grupos visando à melhoria do sistema criado.

Ainda neste ano é lançado o Linux 0.02, um SO complexo capaz de ser utilizado apenas por programadores, já que funcionava apenas por meio de linhas de comando. Falando nisso, o nome Linux deriva de uma junção de Linus com Unix, o código fonte no qual se baseou Torvalds para a construção da arquitetura do seu sistema operacional. Já o símbolo, o pinguim, surge após Torvalds ter sido bicado por um pinguim em um zoológico. Ao menos é assim que nos é passada a história. Foi então que surgiu o Tux, palavra oriunda da junção de seu sobrenome com Unix.

Hoje, 12/04/2022, o Kernel Linux está na versão 5.18 e é tão leve que seria capaz de funcionar em um computador com um processador 686 com 156 mb de memória ram.

Terminais rodando no Slackware 5

 

O Linux não é uno

O Linux não é totalmente um sistema operacional. Ele é o que se chama de kernel (o núcleo do sistema operacional). O núcleo do sistema é o responsável pela integração dos dispositivos de hardware do computador com os programas (softwares). Como o Linux está disponível gratuitamente e com código-fonte aberto, qualquer pessoa ou organização pode juntá-lo a um conjunto de softwares para criar um sistema operacional customizado. Cada uma destas customizações é chamada de distribuição ou distro Linux. No mundo Linux existem centenas delas, algumas muito populares, como o Android, o Ubuntu, o Fedora ou o Mint Linux.

Aliás, é dessa variedade de distros que surge o mito de que Linux não é difundido graças à quantidade extensa de distribuições construídas, o que é falso, pois é sim, em decorrência dessa extensa gama de arquiteturas que o Linux se tornou o que é: predominante na área de tecnologia. Porém, antes de adentrarmos nesse assunto, discutiremos o o conceito de software livre, suas especificidades e diferenças com relação a sua antítese, o programa proprietário. É importante iniciarmos a apresentação por aí para que possamos adentrar com mais propriedade nas especificidades do Linux lato sensu e de suas distribuições stricto sensu.

 

Open source é sinônimo de gratuito?

Open source é a expressão em inglês para designar “código aberto”. É o famoso software livre. Certamente que já se ouviu falar muitas vezes sobre ele. Dificilmente alguém que não ouvira falar algo a respeito. Contudo, a despeito do blá-blá-blá recorrente, a verdade é que poucos sabem exatamente como funciona o programa livre, expressão oriunda do inglês free software, em que a palavra free é erroneamente traduzida por gratuito.

Embora seja verdade que boa parte dos programas de código aberto sejam oferecidos para usuários domésticos de forma gratuita, livre de mensalidades e / ou isentos de qualquer tipo de licença paga de uso, a expressão free designa Liberdade.

A esse respeito, vale algumas linhas para que compreendamos mais a fundo o conceito. Neste universo existem duas principais organizações internacionais responsáveis pela proteção e promoção do software livre: a Free Software Foundation (FSF) e a Open Source Initiative (OSI), que atuam para garantir que os termos Free Software e Open Source sejam utilizados de forma correta. De acordo com a FSF (ou, em português, Fundação para o Software Livre), é considerado livre o programa que pode ser copiado, usado, modificado e redistribuído de acordo com as necessidades de cada usuário. Ou seja, o software é considerado livre quando se enquadra nessas liberdades definidas pela fundação. Mas isso não impede que um desenvolvedor cobre algum valor pelas modificações feitas, afinal, vale lembrar que há custos na programação, como em qualquer outra atividade. A esse respeito, a diferença está na filosofia do software livre, a qual visa ao espírito de liberdade e não necessariamente ao lucro. Assim, é correto afirmar que livre não se refere a gratuito e sim a disponível a todos. Em suma, é o inverso do software proprietário.

Porém, em que consiste essa liberdade? Ou melhor, quais são, de fato, na prática, essas liberdades? Segundo critérios estabelecidos pelas próprias fundações e pela comunidade do software livre, são de quatro espécies: 1) a liberdade de executar o programa para qualquer propósito; 2) a liberdade de estudar como o programa funciona e adaptá-lo para as suas necessidades – daí o acesso ilimitado ao seu código-fonte; 3) a liberdade de redistribuir cópias de modo que você possa ajudar ao próximo; 4) a liberdade de aperfeiçoar o programa, desde que libere seus aperfeiçoamentos para que toda a comunidade se beneficie das melhorias.

 

O código aberto acelera a inovação

Como se viu, há grandes diferenças entre um programa livre e um proprietário. Mas em que medida é correto afirmar que o desenvolvimento do software livre acelera a inovação? São inúmeros os fatores e várias as vantagens que faz com que governos, desenvolvedores privados e empresas invistam cada vez mais em programas de código aberto. Vejamos alguns exemplos:

 

  1. O número de desenvolvedores envolvidos no projeto não tem limites: quanto mais amplo o projeto e mais relevante for mais pessoas participam do desenvolvimento;
  2. Permite que os entes envolvidos foquem no que eles sabem fazer de melhor. Por exemplo: uma empresa de armazenamento de dados contribui em seu setor de atuação, enquanto outra que domina o setor de redes invista em sua área e assim por diante;
  3. Por serem abertos os padrões não se aprisiona o usuário ou cliente. Ou seja, este terá, no final das contas, a liberdade de trocar uma determinada “peça” na arquitetura de TI;
  4. A implementação de funcionalidades é quase que instantânea e atende aos interesses globais dos usuários e das corporações envolvidas;
  5. A segurança é um fator de grande destaque, pois, como há uma gama enorme de pessoas envolvidas, essas falhas são mais rapidamente descobertas e sanadas.

 

Eis alguns elementos que compõem esse vasto mosaico tecnológico. A publicização das informações e a liberdade para utilizá-las respeitando princípios morais estabelecidos pela licença copyleft e GNU GPL é o grande diferencial do programa de código aberto. E isso não é pouca coisa! Vejamos o exemplo da pandemia: se as empresas farmacêuticas não agissem visando somente ao lucro e abrissem suas informações de forma pública, uma vacina teria surgido com meses de antecedência e teria sido distribuída de maneira mais eficiente e homogênea, evitando a morte de milhões de pessoas pela Covid-19.

Um exemplo positivo a esse respeito é o que está acontecendo, por exemplo, no mapeamento do genoma humano. Assim que o projeto de sequenciamento do genoma humano foi completado, toda a informação ficou disponível para todos on-line, permitindo que outras empresas focassem no desenvolvimento de tratamento e identificação de doenças sem precisar que despendam muito tempo e dinheiro refazendo o que já foi descoberto. É isso que acontece com diferentes projetos quando se opta pelo Software Livre.

Ubuntu 20.04

 

As distribuições Linux

Distribuições Linux nada mais são do que sistemas operacionais baseados no Kernel Linux. Existem muitas distribuições Linux, cada uma delas com finalidades específicas. A maioria é gratuita, mas também existem as pagas (normalmente usadas em empresas). No decorrer do tempo, várias distribuições surgiram e desapareceram. As mais populares são as distribuições de companhias como a Red Hat (também criadora do Fedora), a SuSE, a Mandriva (união da Mandrake com a Conectiva) e a Canonical (mantenedora da família Ubuntu), além de projetos de comunidades como o Debian, o Elementary OS ou o Gentoo.

Dentre as distribuições no mundo Linux existem dois tipos por assim dizer: a(s) distro(s) raíz(es) e a(s) distro(s) derivada(s). Distribuição raíz é aquela mais antiga, madura, com anos de estrada e geralmente mais estável. As principais e mais difundidas são: Debian, Fedora, Gentoo, Arch, OpenSuse, CentOS e Slackware. Essas distribuições foram desenvolvidas sem nenhum outro referencial, ou seja, suas ferramentas, seus scripts, gerenciadores de pacotes, estrutura de diretórios e arquivos, as configurações... foram "criadas do zero". Uma distribuição dita raíz não é derivada de nenhuma outra distribuição. Por serem mais limpas, leves e maduras, essas distribuições favorecem a produtividade e fortalecem a confiança da comunidade e dos seus usuários.

As distribuições derivadas, no entanto, são aquelas que se baseiam em outras distribuições, dependendo, de alguma forma, da infraestrutura de sua distribuição mãe, de toda sua arquitetura. As mais difundidas no mundo Linux são as baseadas em Debian. Isso porque este sistema operacional, além de ser considerado o rei da estabilidade dentre todos os SOs existentes no mundo, criou a arquitetura de pacotes “.deb”, similar à “.exe”, utilizada pelo Windows e que possibilita o usuário, com apenas um ou dois cliques instalar um aplicativo. Hoje, muitos sistemas operacionais Linux - de várias arquiteturas diferentes -  funcionam dessa maneira, contudo, ao seu tempo, o Debian inovou e conquistou alguns milhões de adeptos ao Linux. Dentre as distribuições derivadas mais conhecidas estão: Ubuntu, derivada do Debian e com cerca de 100 milhões de usuários diretos e 1 bilhão de usuários indiretos, Elementary OS, também derivada do Debian e conhecida pela sua facilidade e beleza, Mint, Zorin e Pop!_OS, as três derivadas do Ubuntu, e Manjaro, baseada no Arch Linux.

Como se vê, existem distribuições para muitas funcionalidades e gostos. E isso é possível graças à liberdade do Open source. Se o usuário está procurando uma distro multifuncional onde basta instalar, espetar os hardwares e sair usando, opções é o que não lhe faltam no Linux: a estadunidense Fedora, a brasileira Big Linux, a sul-africana Ubuntu, a alemã OpenSuse, a americana Pop!_Os, a chinesa Deepin, a francesa Mint, a estadunidense Debian etc lhe trariam respostas neste sentido, proporcionando ao usuário final usabilidade, estabilidade, praticidade, conforto, beleza e segurança. Agora, se o usuário é um estudioso e prefere trabalhar com um SO à moda antiga por meio de linha de comando, poderia optar pelo Slackware, por exemplo, que tem no Brasil uma quantidade de adeptos bastante interessante: estima-se que cerca de 50 mil pessoas trabalhem a fundo com este sistema operacional. Vai da necessidade e da intenção de cada usuário.

O Ubuntu – para citar a mais conhecida distribuição – é desenvolvido e suportado pela Canonical, empresa sul-africana que investe forte em IoT e serviços em nuvem, a qual também já foi referência por facilitar o uso do Linux em desktops. Não bastasse, muitos dos desenvolvedores do Ubuntu contribuem para o projeto Debian, já que também dependem deste para "sobreviver". Parte importante do seu ecossistema e de suas ferramentas oriundam de sua distribuição mãe, a contar o gerenciador de pacotes “apt-get”, por exemplo.

 

Os sabores do Ubuntu

Aproveitemos o Ubuntu para adentrarmos em um outro aspecto bastante rico e possível somente em um universo dinâmico, arejado e livre como o do programa livre: as interfaces gráficas.

A palavra Ubuntu é originária do idioma Zulu (pertencente ao grupo linguístico Bantu) e seu significado mais amplo se baseia na solidariedade e no pensamento coletivo. Em sentido estrito, a tradução mais correta para o nosso idioma seria algo como "humanidade para os outros", designando também "amor ao próximo".

Quanto instalamos um sistema operacional como Mac OS ou Windows sabemos exatamente o que encontrar: a combinação de cores do sistema, o conjunto de ícones, as fontes padrão, os programas pré-instalados (que no caso do Windows não são tantos assim, ao contrário do Mac ou do Ubuntu, por exemplo, que já vêm prontos para o uso), em suma, já sabemos a aparência destes sistemas.

Nos sistemas operacionais baseados em Linux não é diferente. Quando instalamos em uma máquina o Chrome OS (distro da Google que até pouco tempo funcionava somente nas nuvens e que hoje ocupa cerca de 11% dos usuários de computadores domésticos, superando a Apple, com aproximadamente 7,5%), o Kali ou o Ubuntu sabemos exatamente o que encontrar. Os mais experientes saberão quanto de memória ram precisarão para que o sistema rode adequadamente, qual processador mínimo mais adequado e quanto espaço ocuparão no hd / ssd. Exatamente como qualquer outro sistema operacional de código aberto não Linux (FreeBSD é um caso) ou fechado (Mac OS), por exemplo.

O que não se sabe é que existe no universo Linux a possibilidade de se alterar essa aparência (esse ambiente gráfico) padrão por outra, podendo ser por opção, desejo ou mesmo por necessidade. E das maneiras mais distintas: instalando-a pelo terminal ou pela loja de aplicativos de sua distribuição, ou simplesmente instalando uma versão dessa distro com uma outra interface gráfica. E no Linux são várias, desde aquelas “universais”, possíveis de se utilizar em qualquer SO, como aquelas oriundas de projetos próprios, como veremos.

Em poucas palavras, a interface gráfica é responsável pela forma como o usuário interage com o seu sistema operacional. É a “tela” do programa. E no Linux, como já dito, temos várias, de retrôs, minimalistas até as mais rebuscadas. E todas elas com um propósito distinto.

No caso do Linux, as mais utilizadas são: Gnome, KDE Plasma, XFCE, Mate, LXDE, LXQT, Cinnamon, Deepin e Cosmos. As duas primeiras são as mais utilizadas e também as mais antigas, por assim dizer. Boa parte dos sistemas operacionais Linux trazem uma ou outra por padrão, sendo a Gnome a mais utilizada no momento. A interface XFCE, LXDE e LXQT são interfaces gráficas com um design mais antigo, elaboradas para computadores mais modestos; exigem poucos recursos gráficos e muito pouca memória ram, sendo ótimas para ressuscitar um notebook ou desktop antigo, com mais de 20 anos de idade, por exemplo. A diferença entre elas está no acabamento estético, sendo a XFCE um pouco mais elegante e “pesada”. A interface Mate é também leve e se baseia no ambiente gráfico Gnome antigo, o Gnome 2. É recomendada também para computadores mais antigos, mas agrega diferença em relação às outras neste quesito: é mais rica em recursos de personalização e de acabamento, tendo uma paleta de cores, backgrounds e recursos mais amplos, fazendo dela uma espécie de interface gráfica intermediária entre a Gnome e KDE Plasma e o trio XFCE, LXDE e LXQT. Já os ambientes gráficos Cinnamon, Cosmos e Deppin são projetos gráficos próprios de suas distros: o Linux Mint, o Pop!_OS e o Linux Deepin respectivamente, que optaram por trazer elementos gráficos um tanto distintos destes outros ambientes. Neste aspecto, o Ubuntu, que trataremos a seguir, manteve por alguns anos um ambiente gráfico próprio, bastante limpo, prático e robusto: o Unity, por anos o mais utilizado entre os computadores Linux.

Esse é um recurso bastante importante no Linux, já que, a partir de um kernel mais recente, com uma arquitetura e engenharia de última geração, aquele(a) usuário(a) com um computador mais modesto pode ter acesso a um sistema operacional poderoso sem gastar uma pequena quantia em uma máquina nova, como demandam seus "concorrentes" de código fechado da Microsoft e da Apple.

Mas o que propriamente tem haver o Ubuntu com a discussão referente às interfaces gráficas? Bem, quanto a este é que, paralelo a sua edição oficial, são lançadas vários outras, com os mesmos recursos tecnológicos, utilizando o mesmo kernel. Isto não é uma especificidade desta distro; outras tantas optam também por trazer o que tem de mais moderno em versões gráficas distintas não apenas como forma de incluir mais pessoas no mundo da tecnologia, mas também para atrair novos usuários. Fedora, OpenSuse, Mint, Manjaro, Debian são apenas alguns de tantos outros exemplos. Citei o Ubuntu por ter uma gama grande de variações da mesma distro, talvez a maior do mundo Linux. Temos, neste caso, além do oficial, o Kubuntu, com interface gráfica KDE Plasma; o Lubuntu, com interface gráfica LXQT; o Xubuntu, com interface gráfica XFCE; o Ubuntu Mate; o Ubuntu Kylin, com a interface gráfica Kylin (elaborada pela própria canonical e pensada para disputar o mercado chinês com o Deepin); o Ubuntu Budgie, focado em artistas gráficos e com a interface gráfica de mesmo nome: pensada para computadores mais poderosos e, por isso mesmo, bastante estilizada; e o Ubuntu Studio, com interface gráfica Gnome 3, elaborada para profissionais de áudio e vídeo, já pré-configurado com extensões e programas avançados nesta área. Estes são os “Ubuntu Flavors”.

Kurumin 4 com interface gráfica KDE 3

 

Outras distribuições leves, ainda mais leves

Acabamos de citar todas as variantes da canonical. Algumas inclusive voltadas para computadores mais modestos. Porém, quando o assunto é dinamismo, os sistemas operacionais baseados em Linux são campeões. Essa qualidade é possível graças à liberdade já citada, que proporciona não somente que pessoas e empresas hajam de maneira mais organizada e focalizada nos projetos em questão, mas possibilita uma variação maior de projetos com as mais diversas finalidades.

Essa é uma qualidade aliás não restrita aos sitemas operacionais baseados em Linux, mas a toda a comunidade open source. E é com base nisso que elencaremos outras distribuições leves destinadas a computadores mais modestos de recursos, algumas delas inclusive utilizadas em computadores mais poderosos e novos, nos quais seus usuários buscam um melhor desempenho se comparado a outras distribuições com interfaces gráficas mais exigentes em recursos.

Iniciemos então com minha distro predileta neste aspecto: o Linux Lite, distribuição que utilizo em meu modesto e resistente notebook H-Buster HNB-1401, munido com um processador Intel Pentium T4400, um HD de 320gb e 4gb de memória ram, que utilizo para escrever este post. É uma distribuição baseada no Ubuntu e que utiliza uma interface gráfica XFCE. Porém, é tão bem elaborada que supera em desempenho - e em estética e riqueza de recursos no que concerne à personalização - o Lubuntu, que utiliza uma interface gráfica aparentemente mais leve. É uma distro também utilizada por alguns jogadores que preferem obter o máximo de suas máquinas.

Outras distros leves, ainda mais leves, são as SliTaz, Puppy, Tiny Core LinuxLinuxFX, Bodhi Linux dentre outras. Algumas destas citadas podem inclusive ser utilizadas por um pendrive com um desempenho espantoso (quase todas as distros Linux podem ser utilizadas diretamente por um pendrive), sendo inclusive utilizáveis em computadores com processadores 486, o que é impressionante. Isso utilizando um Kernel relativamente atual e com interface gráfica própria. Eis mais um exemplo de inclusão digital de verdade, que somente o software livre é capaz.

 

O Linux é feio?

Bonito e/ou feio está nos olhos de quem vê. É o que dizem, ao menos. Porém, tratando-se de sistemas operacionais creio haver certas tendências estéticas que respeitam também gostos pré-definidos e capacidades oferecidas pela tecnologia do momento. E dentro destes princípios, creio tratar-se de um outro mito este de que Linux é feio. Difundido não sei bem porque e sobre quais bases, pois há muito tempo que o Linux tem um acabamento gráfico superior à maioria dos sistemas operacionais em seu tempo. Quem não lembra do brasileiríssimo Kurumin, lançado em 2003, e que por seis anos trouxe melhorias bastante significativas ao Linux, como o fato de vir completamente pronto para ser utilizado sem a necessidade de instalação, diretamente de um cd-rom (Live Cd), além de ter um acabamento gráfico – assim como outros – bastante aprimorado para seu tempo. Na imagem acima, o Kurumin 4 com interface gráfica KDE 3, cuja versão oficial fora lançada em 15/01/2005, mas construído durante o segundo semestre do ano anterior.

Bem da verdade, os sistemas operacionais com base em Linux estão entre os mais belos, mais bem acabados, mais profissionais e mais fáceis de utilizar. Se alguém tem alguma dúvida ou desconhece qualquer distribuição, procure em um “buscador” de internet por Gnome, KDE Plasma ou pelas distribuições OpenSuse, Fedora, Pop!_OS, Manjaro, Mint, Ubuntu, Big Linux, Deepin, Elementary OS ou Endless. Eis exemplos de distros lindas e muito refinadas. Principalmente as três últimas, na minha opinião. Mas há várias outras.

 

As distribuições Linux são complicadas e improdutivas?

Não é incomum, inclusive em discussões no telegram ou no whatsapp hospedados em um Android, ouvirmos o argumento de que utilizar Linux (assim, de forma geral) traz muitos transtornos por ser muito complicado e por não ter operabilidade com os programas da Microsoft. As pessoas que falam isso, contudo, em sua grande maioria, não têm pudor algum em elogiar a Apple que desenvolve o sistema operacional menos conectado com outras plataformas que temos hoje. Para a maioria, o Mac OS é sinônimo de produtividade, enquanto o Linux é um sistema complexo, voltado para harkers, feio e de difícil manuseio, principalmente porque não se é possível, por ele, operar programas da Microsoft, o que também é outra inverdade, apesar de evitarmos entrar nessa querela.

A ideia aqui não é  dissertar sobre as características dos programas pensados para rodar em distros Linux, tampouco compará-los com aqueles produzidos para rodar em Windows e/ou em Mac. Poderemos, em outras ocasiões, mas aí com ajudas de colegas que utilizam softwares que não tenho muito apego, fazermos um comparativo entre as principais opções disponíveis em cada plataforma, em todas as áreas principais: offices para escritório, programas de edição de vídeo, edição de áudio, navegação na internet, programas de edição de imagem, de vetores 2D e 3D, clientes de e-mail e softwares voltados para programadores, por exemplo. Podemos trazer dados técnicos, mostrando os prós e os contras de cada escolha, bem como suas especificidades. E com base nessas informações ranquear cada um deles. Feito isso, tenho certeza de que se surpreenderão com muitos softwares pensados para rodar em distros Linux. Alguns, aliás, bastante comuns também em outros SOs. Mas não é essa a intenção deste texto, senão a de tentar apresentar os softwares livres como são hoje. E é isso o que faremos! Até o fim deste "artigo".

Pois bem... Geralmente quando essas discussões se desenrolam, os argumentos daqueles que defendem a hipótese da inviabilidade da utilização de uma distribuição Linux em um computador doméstico parecem espelhar as discussões que as comunidades tinham - em seus fóruns - durante finais dos anos 1990 e início dos anos 2000, ou seja, há cerca de 20 anos atrás, quando as distros Linux ainda "engatinhavam".

Tomei contato a primeira vez com um sistema operacional Linux por meio de um camarada, o João Flávio, que hoje não está mais entre nós. Foi ele quem, em 2001, na sede do PSTU, apresentou a mim e outras pessoas o pinguim pela primeira vez, após instalá-lo no computador de nosso diretório estadual. Naquela ocasião ele nos mostrou algumas diferenças de usabilidade entre aquele SO e o Windows, enfatizando não somente as facilidades de uso que a distribuição tinha, mas principalmente a segurança e a privacidade. Eu sinceramente não me recordo qual era a distro; certamente era alimentada com um ambiente gráfico KDE Plasma. O que me lembro é que, utilizando-a, achava muito dinânima, polida, bonita e rápida. E tão simples quanto qualquer sistema que a Microsoft usara. Na verdade, minha maior dificuldade era em abrir os programas, pois, à época, o Windows 98 demandava 2 cliques sobre o ícone enquanto aquele "Linux", um apenas. Isso ocasionava em 02 janelas abertas do mesmo aplicativo, forçando-me a fechar a outra.

Eu considero este o início da minha relação com uma distro Linux, inclusive como usuário. Essa relação só se aprofundou, principalmente porque no ano seguinte foram instaladas 15 ou 20 máquinas com distribuições Linux na Biblioteca Central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), disponíveis para uso dentre os estudantes. E sempre eu priorizava elas para fazer minhas pesquisas, ler ou navegar na internet.

No entanto, a primeira vem em que instalei uma distro em um computador em minha casa foi em 2004, incentivado pelo Kurumin. Foi minha primeira distro aquele Kurumin 3. E foi uma experiência tão satisfatória que o mantive até a versão 8.06 (a NG), pouco antes de descontinuarem o projeto, em que - na ocasião - a mantinha em um HD particionado com o Ubuntu 7.10, se não estou enganado. Com a distribuição brasileira, para lhes ser sincero, nunca tive problema algum: ela sempre reconheceu meus drivers e não precisava instalar nada para fazê-la funcionar, pois tudo o que eu precisava em um sistema operacional já vinha instalado nele: programas de edição de texto, de música, navegador de internet, leitor de PDF e aí por diante. Era um SO completo, assim como o Ubuntu que, embora viesse com vários aplicativos pré-instalados, não trazia a gama de aplicações da outra distro. Mas isso também não era problema, pois aquelas aplicações que não encontrássemos em seus repositórios, encontraríamos em seus sítios oficiais, bastando baixá-las e instalá-las, exatamente como no Windows (à época não conhecia o Mac).

Instalar um programa no Linux nunca me foi um problema! Nem no Ubuntu, no Fedora ou no OpenSuse, ou em qualquer outra distribuição que me aventurei a conhecer. O "problema" que tive com as distros Linux no início de minha experiência foi justamente a incompatibilidade de alguns drivers com algumas placas de internet e de impressora: ou não estavam atualizados ou então eram incompatíveis com os modelos mais modernos. E algumas dificuldades também de aparência, principalmente no antigo ambiente Gnome, no qual eu queria trazer para dentro de minha área de trabalho as "docks mágicas", bastante estilizadas e elegantes. No Ubuntu 8, que não tinha essas docks em sua biblioteca de aplicativos padrão, instalá-las requeria uma série de linhas de comando (por meio do synaptic) que pegávamos em fóruns ou em sites de experts em Linux. E no início isso não dava muito certo, por conta principalmente de minha inexperiência com o assunto. E mesmo assim em situações às vezes bastante específicas, como rotacionar o ambiente de trabalho, utilizar "docks mágicas", trazer efeitos gráficos durante a operação do sistema: quando fechava uma janela pegava fogo, por exemplo... Precisamos lembrar que havia apenas 4 anos que a canonical produzia sua distro e que muitas das incompatibilidades que se enfrentava decorriam do fato de ainda ser pouco utilizado o software livre, o que ocasionava um descaso das grandes indústrias de hardwares. Porém, mesmo esses problemas eram muito interessantes, pois sabíamos ser possível personalizar nossas distros de uma maneira não possível em sistemas operacionais de código fechado.

Hoje, contudo, a situação é completamente diferente: ao instalar uma distribuição Linux - a exemplo do que acontece com sistemas operacionais de código fechado - todos os drivers são instalados automaticamente, não sendo necessário um único clique a mais para fazer funcionar qualquer tipo de dispositivo, do mais antigo ao de último lançamento. E mesmo essas personalizações dos ambientes de trabalho estão prontas e à disposição na central de configurações do sistema (o painel de controle do Windows), de forma intuitiva e rápida. E isso há bastante tempo já.

Como se disse, há várias distribuições Linux. Algumas delas unitarefas, inclusive; pensadas para fazer um determinado trabalho específico bastante restrito. Inclusive há distros Linux à moda antiga, dirigidas para programadores que preferem um sistema operacional ultra estável e com uma interface gráfica apenas em seu ambiente de trabalho. Mas não é dessas que me refiro. Falo daquelas multitarefas, como o FreeBSD (este também livre), o Mac e o Windows, que possuem kerneis distintos ao Linux. E neste aspecto, todas as distros Linux estão muito bem, obrigado, pois, além de estarem prontas para utilização segundos após a instalação, são bastante modernas, intuitivas, pragmáticas e produtivas. Além de serem praticamente livres de vírus, estáveis, seguras e contarem com lojas com centenas de aplicativos para as mais diversas tarefas. Então, definitivamente NÃO! As distros baseadas no kernel Linux não são pouco intuitivas, tampouco são complicadas e improdutivas. É bem o inverso!

Endless OS

 

Não é possível jogar em Linux?

Fase superada há tempos, principalmente depois da chegada da Valve, empresa responsável pela Steam. Esta confia tanto no Linux como o futuro dos games que lançou sua própria distro: a SteamOS, que acompanha seu game / pc portátil, o Steam Deck, pré-instalado com vários de seus jogos. Seguindo seu exemplo outras empresas do ramo estão migrando jogos para o pinguim. Entretanto, apesar do alto desenvolvimento em jogos, com superioriedade de frames aos seus concorrentes de código fechado, no mercado de games para computador (para computador, eu disse!) a participação do Linux ainda é pequena, não representando mais do que 1,5% dos usuários.

 

Como sobrevivem as distribuições Linux

Acabamos de falar que programas de código aberto não são necessariamente gratuitos, embora haja muitos que os são de fato. No que concerne às distribuições baseadas em Linux, a grande maioria é ofertada de forma gratuita ao usuário final doméstico (os bocas-mole como eu), dentre elas, distros mantidas por grandes empresas que têm nesses sistemas operacionais sua principal fonte de renda, como a Red Hat, ou a uma importante fonte de renda, como Novell e Google.

Antes de citar os modelos econômicos das empresas que investem em sistemas operacionais baseados no kernell Linux, é importante frisar que não sou especialista no assunto, sendo, portanto, bem provável que outras formas de acumulação de capital oriundos desse negócio me escapem às vistas, o que é bem provável para dizer a verdade. Outro fator importante é de que, mesmo que traga retorno econômico algumas distribuições não necessariamente trazem retorno econômico em forma de lucro propriamente dito; seu retorno é de outra natureza para estas corporações.

De qualquer forma, trazendo ou não retorno, conheço seis maneiras utilizadas pelas empresas – algumas muito lucrativas, como as estratégias utilizadas pela Red Hat, pela Novell, pela Google e pela Canonical. Iniciemos então com um exemplo local, brasileiro, vindo de Curitiba, de uma empresa chamada Conectiva, vendida no início dos anos 2000 (após apenas 5 anos de existência) à Mandriva por 1,7 milhões de euros. Utilizava uma estratégia similar à que hoje utiliza a Red Hat. Dentre as estratégias de negócio mais utilizadas estão a mensal, mais frequente no ambiente corporativo, em que uma distribuição cobra mensalmente para ser utilizada. Essa estratégia é comum em softwares e aplicativos livres, mas também – em menor escala – por sistemas operacionais, principalmente no âmbito de servidores.

Outra forma comum, não de acumulação de capital propriamente dito, mas de manutenção de um projeto em software livre, refere-se à estratégia de doação. Boas e belas distribuições Linux vivem exclusivamente desses recursos, como é o caso da distro Elementary OS, que é distribuída gratuitamente sem necessidade alguma de injetar qualquer capital para ter o sistema operacional. A Novell, que mantém a comunidade open source em torno de seu sistema operacional OpenSuse, usa como parte estratégica de financiamento a de doação. No site oficial do projeto OpenSuse, há a possibilidade de doações de duas espécies: melhorando o código-fonte ou em recursos para manutenção de hardwares. A Novell, entretanto, ao contrário do projeto Elementary OS, não vive dessas doações. Pelo contrário! Ela é uma das “patrocinadoras” do projeto OpenSuse, que se aproveita da comunidade para melhorar sua tecnologia, exportando-a para outros de seus produtos.

Um terceiro modelo é o de chave (Key), utilizado pela Red Hat (que por sinal foi vendida há dois ou três anos para a IBM pela bagatela de 35 bilhões de dólares). A exemplo do que fez a Conectiva, é um SO direcionado exclusivamente para o ambiente corporativo, no qual a empresa compra uma chave de acesso para utilizar em um ou mais computadores, como faz também o Windows, da Microsoft. Outra distribuição também que vem ganhando espaço nesta forma de negócio é a LinuxFx, brasileira e focada em usuários que usam o sistema da Microsoft e que estão migrando para Linux, graças à similaridade da aparência.

O modelo de suporte é também bastante corrente no ambiente Linux, sendo a estratégia da canonical com o seu Ubuntu, da SuSe (propriedade da Novell) com o OpenSuse Server, da Red Hat com a Red Hat Enterprise, dentre outras. No caso das duas primeiras essas estratégias limitam-se a seus sistemas operacionais voltados para o ambiente de servidores, deixando completamente gratuitos seus sistemas voltados para o usuários domésticos. No caso da Red Hat, o suporte pode ser utilizado em seus Linux Server ou em seu Red Hat Linux Enterprise.

Outro modelo interessante – e utilizado pela System76 – é o similar ao utilizado pela Apple, que criou um sistema operacional próprio para alimentar seus notebooks, seus computadores e também seus servidores. Neste caso, ao contrário dos exemplos anteriores, o sistema operacional não é o foco propriamente dito, mas sim a venda de equipamentos de ponta de informática. A Sistem76 mantém um sistema operacional denominado Pop!_OS, baseado em Ubuntu e com uma interface gráfica própria, o Cosmos. É atualmente a minha distribuição predileta, sendo utilizada em meu All in One da Positivo. E aí está a diferença em relação ao Mac OS: ele é aberto. Embora seja planejado – e muito bem planejado – para as máquinas daquela empresa, por ser um sistema operacional livre qualquer usuário pode baixá-lo e utilizá-lo na máquina que quiser. De maneira indiscriminada e sem qualquer tipo de trava.

A última estratégia de negócios que me vem à mente é a adotada pelo Android, da Google (Sim, o Android é um Linux), expandida - em boa medida - para o seu Chrome OS: a de serviços. Como é sabido, o sistema operacional da Google é aberto e gratuito, rendendo para a Google a venda de seu espaço para apps ou a venda de aplicativos e serviços próprios conectados ao Android. A Xiaomi também lucra neste seguimento, pois, como fork do Android, criou seu sistema MIUI, um Android com melhor operabilidade a meu ver. A gigante chinesa criou também aplicativos e serviços exclusivos, beneficiando-se com apps desenvolvidos para seus smartphones – dividindo lucro com a Google nesses apps.

 

Linux não é coisa de comunista

É claro que em um mundo sem classes não haverá patentes. A produção não será anárquica como no capitalismo, essa bagunça descontrolada que é, e a tecnologia será toda livre, em um sentido ainda mais amplo que o do "código aberto". É evidente que o open source é progressivo em vários aspectos já descritos neste texto e que sem ele a tecnologia seria uma fração do que é hoje. Contudo, é claro também que toda a sua produção mais relevante é cerceada pelos interesses corporativos, o que acaba inclusive retardando o seu desenvolvimento pleno, o que não aconteceria em uma sociedade comunista. Assim como a ciência, que vê seu pleno desenvolvimento freado pelos interesses e pelas necessidades de lucro rápido da burguesia.

Eu sinceramente nunca compreendi essas caracterizações abstratas: "Linux é coisa de comunista porque é gratuito e livre". Acho que é essa a conclusão que tiram quando afirmam tais coisas. É uma besteira tão grande quanto falar que peixe é coisa de pescador, ou que churrasco bom é churrasco de gaúcho. Bem, acho que ficou bem claro que não, Linux não é uma ferramenta comunista utilizada para enfrentar o mundo corporativo capitalista. Longe disso! Linux é uma tecnologia. Predominante, é verdade, e cada vez mais alicerçada por grandes corporações, que ajudam a “financiar” pesquisas por meio da Fundação Linux. Empresas inclusive historicamente contrárias ao desenvolvimento do código aberto, como o Facebook, a Microsoft, a Comcast, a Oracle, a Adobe, dentre outras.

A liberdade propiciada pelo mundo Linux, e que possibilitou o seu desenvolvimento de forma mais ou menos orgânica, independente e avantajada, se vê inclusive ameaçada pela inserção de grandes corporações contrárias ao seu pleno desenvolvimento. E isso quem fala são pessoas e empresas conhecidas e historicamente imbuídas no desenvolvimento do software livre. Daí a necessidade cada vez mais de se aglutinar em torno do projeto membros autônomos, profissionais amadores, independentes e empresas realmente fomentadoras dessas tecnologias. Somente assim o software livre poderá superar essas adversidades. E isso, ao que consta, vem acontecendo. E por meio também da Linux Foundation, que patrocina seu criador e outros desenvolvedores do kernel para que possam permanecer independentes e trabalhar em tempo integral na melhoria do kernel Linux.

 

O Linux vai além de suas distribuições

Como se viu, o Linux é uma tecnologia poderosa e versátil, um componente do sistema operacional chamado kernel que hoje conta com ferramentas que se estendem um pouco além dele, inclusive. Ou seja, falar de Linux vai muito mais além do que falar das distribuições que se baseiam em seu kernel, como por vezes fizemos aqui visando a facillitar o diálogo. Talvez o que ninguém saiba, entretanto, é que é predominante no setor tecnológico a ponto de poder afirmar que praticamente ninguém com acesso a um mínimo de tecnologia fique sem utilizá-lo.

Se você trafega pela internet, independente do sistema operacional que utiliza, está usando Linux, pois praticamente toda a rede funciona nela; se você assiste à Netflix em sua casa ou no seu computador / Notebook usa Linux, pois esta plataforma roda com Ubuntu; Se joga videogames modernos, como Wii, Nintendo Swift, SteamPlay ou Playstation então você utiliza Linux. Se você tem uma Smart Tv então utiliza Linux, pois praticamente todas as marcas do mercado abastecem seus aparelhos com um sistema operacional baseado em seu kernel. Você tem um smartphone? Há boas possibilidades então de você utilizar um sistema Linux, já que Android e suas variantes, como o Miui da Xiaomi, são Linux. Mais de 70% dos sistemas operacionais para dispositivos portáteis no mundo são em Linux. E somente no Brasil 73% das empresas que trabalham com aplicativos sobrevivem graças ao Android.

Rede de supercomputadores, aeroportos, sistemas de segurança, de comunicação por satélite, controladores de voos, carros autônomos, Smartwatchs (relógios inteligentes), drones, a grande maioria dos servidores do mundo, dentre outros, utilizam Linux. Neste aspecto há uma informação interessante: dos 500 supercomputadores mais poderosos que existem na atualidade, 470 rodam em Linux, 25 rodam em AIX (um sistema operacional da IBM baseado também no kernel Unix) e 05 rodam com Windows. O próprio sistema da Microsoft precisa de Linux para funcionar em sua integralidade. A Nasa e as principais agências espaciais: a europeia, a chinesa, a indiana e a russa alimentam seus computadores e suas sondas com Linux; parte da tecnologia militar também é em Linux e várias instituições universitárias na Europa, EUA e América Latina utilizam Linux, além de vários governos de cidades na Alemanha, Espanha, França, China etc… adotaram o Linux como sistema de operações oficial. A indústria de aviação civil e os institutos científicos – incluindo o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), que administra o acelerador de partículas responsável por estudar o Bóson de Higgs – utilizam, em sua imensa maioria, Linux. A agroindústria, incluindo aí os sistemas operacionais que abastecem seus maquinários, utiliza Linux. Empresas como o Banco do Brasil e a Petrobras utilizam Linux em suas máquinas e toda a tecnologia bancária brasileira – considerada a mais moderna do mundo – roda em Linux. Aliás, 43% das médias e grandes nacionais já utilizam o pinguim em seu ambiente corporativo como sistema oficial. Em suma, imagine o que quiseres em tecnologia e verás o Linux atuando integralmente ou como suporte.

O único setor em que o Linux não predomina é o do usuário doméstico de computadores (aquele que tem um notebook ou um computador em casa), o que é no mínimo irônico para ser sincero, já que Linus Torvalds o pensou como um sistema operacional privado. Porém, mesmo neste seguimento, sistemas operacionais baseados em Linux ocupam uma fatia interessante do mercado, com cerca de 16% dos usuários finais e com um crescimento relativamente acelerado princiapalmente a partir de 2020. Dentre as distribuições que se destacam cito particularmente duas, ambas baseadas em Debian: o Chrome OS, o terceiro SO mais utilizado no mundo (Android lidera o ranking, com o Windows, da microsoft, ocupando a segunda posição) e o Ubuntu, hoje o quinto sistema operacional mais utilizado, com aproximadamente 2% dos usuários finais.

Distribuições Linux

 

Para quem quiser conhecer uma distribuição Linux

Eis uma questão pessoal e que demandaria algumas questões. Porém, baseado em minha experiência e levando-se em conta um computador ou notebook com menos de 10 anos munido com um processador Intel Celerom ou superior, ofereceria às pessoas, principalmente às brasileiras que vêm do Windows, a distribuição Big Linux (uma distro rolling release baseada no Manjaro) por seguir uma ideia parecida ao do antigo Kurumin Linux (a de um sistema "instala e utiliza", com uma variedade generosa de softwares poderosos já contidos nele) e por ser ao mesmo tempo muito inteligente, fácil de utilizar, polida, estável, moderna e bastante leve; o Bruno, seu principal programador, conseguiu agregar isso tudo em um pacote incrível. No entanto, como eu mesmo não a utilizo, opto por indicar as distribuições Linux com arquitetura Debian, princpalmente pela sua facilidade em lidar com os pacotes de instalação e pelo enorme número de usuários, como o Linux Mint, por sua leveza, sua interface gráfica Cinnamon simples e elegante, sua boa loja de aplicativos e operacionalidade quase perfeita. Ou o Pop!_OS (minha atual distro em PC), bonito esteticamente, estável, intuitivo e com uma excelente loja de aplicativos, ou o próprio Ubuntu - a loja de aplicativos aqui deixa a desejar. Ou, ainda, para aqueles(as) que são estudantes primários ou secundaristas, o Endless OS. Sejam muito bem-vindos(as) ao universo do software livre.

 

Muito ainda a falar

Muito ainda ficou a se falar, como a diferença entre as distribuições LTS, de longa duração no que concerne ao suporte, e as de curta duração, ou como distros estáveis e aquelas focadas em trazer sempre as últimas novidades... Ou ainda demostrar a vastíssima opção de softwares profissionais - open sources em sua maioria - elaborados para Linux, dentre outras coisas. Porém, a despeito de não ter tocado nesses e em outros assuntos, o foco foi explanar en passent o significado do universo do software livre, o que penso ter logrado êxito. Se gostou e está curioso, seja bem-vindo(a) a este vasto e rico universo.

-------------------------------------

Leia também:

 

A distribuição da riqueza no Socialismo

04.04.22

WhatsApp-Image-2021-10-14-at-00.17.05-1.jpeg

Por Gustavo Machado

A todo momento, nos pregam a peça de que o capitalismo é a única forma de distribuir a riqueza produzida de forma ótima e eficiente. Não haveria outra saída, dizem. Assim, tudo tem de ser produzido como capital, com a motivação de acumulação e enriquecimento. Todo universo de coisas e serviços, de algum modo úteis, têm de ser distribuídos pelo mercado. Seria este processo, de fato, eficiente?

No capitalismo há planejamento apenas na produção e oferta de mercadorias em uma dada empresa e nenhum planejamento em sua distribuição no mercado: em sua demanda social; ou seja, em relação à procura, pelo conjunto da sociedade, dos produtos e serviços necessários para satisfazer suas necessidades.

Caso as mercadorias de uma dada empresa não encontrem compradores, caso sua demanda seja menor que a esperada, trabalhadores e trabalhadoras são demitidos, de modo a readequar a produção e a oferta de mercadorias. Acontece que, ao perderem o emprego, esses trabalhadores perdem o poder de compra de mercadorias e a demanda se altera outra vez.

Cada readequação no planejamento individual de uma dada empresa provoca alterações na demanda, o que impacta todas as demais empresas. Ocorre o mesmo com as mudanças tecnológicas, que, na busca por mercadorias de menor custo, reduzem a massa de trabalhadores empregada e, assim, sua capacidade de comprá-las.

 

No capitalismo, um círculo vicioso

Observem que esses problemas são produzidos “artificialmente” pela forma maluca na qual o capitalismo funciona. Como a demanda não é controlada por ninguém, cabe às empresas regularem a oferta, reduzindo a produção e demitindo trabalhadores. Como os trabalhadores são os principais compradores e, assim, demandantes, a “solução” do problema “produz” o problema outra vez.

Acontece que em toda forma de sociedade que existiu ou que existirá sobre o planeta há oferta e demanda. Uma quantidade de riqueza é produzida e ofertada ao conjunto da sociedade. Os membros dessa sociedade demandam uma fatia dessa riqueza para sobreviver e satisfazer suas necessidades de todos os tipos. A questão está em saber sob que forma a riqueza produzida será apropriada e distribuída, sob que forma adequar e readequar a oferta e a demanda, sempre variáveis.

 

No socialismo, controle dos produtores

Em uma sociedade socialista, a produção e a distribuição são controladas conscientemente pelos próprios produtores. A cada momento, a oferta e a demanda podem ser conscientemente ajustadas a partir da variação dos estoques de cada tipo de produto. Se os estoques de determinado produto se reduz, enquanto o de outro se eleva, pode-se realocar trabalhadores de um setor a outro, imediatamente. Tal operação não produz novos efeitos, pois em uma sociedade em que todos trabalham, sua realocação ajusta a oferta sem alterar a demanda.

Como fazer esses ajustes se, no socialismo, as relações sociais não são reguladas pelo dinheiro? Acontece que o dinheiro não é apenas um meio que viabiliza e quantifica o intercâmbio de produtos. O dinheiro é produto de um processo social, que confere poder ao seu possuidor sobre outras pessoas, um processo em que os indivíduos seguem cegamente o curso do dinheiro e da acumulação de capital sobre sua base.

No socialismo, os produtos que brotam da mão humana serão, sim, quantificados, mas pelos indivíduos e não pelo dinheiro. Para isso, serão usados critérios socialmente definidos, como a quantidade de trabalho necessária para produzir, as necessidades ambientais e naturais, as prioridades sociais etc. Cada produtor terá, certamente, cupons que lhe permitam ter acesso aos produtos sociais de sua livre escolha. Mas, teremos apenas a administração dos produtores do produto de seu próprio trabalho.

No capitalismo, como o planejamento social é impossível, a realocação de recursos apenas pode ser feita por meio da variação no preço. O preço, isto é, o dinheiro, controla as ações individuais. No socialismo, os produtores controlam os produtos e sua quantificação.

 

Produção social X apropriação privada

As principais decisões sobre o excedente da produção social serão definidas pelos próprios produtores. Quais serão as prioridades do processo produtivo? Há interesse em trabalhar um pouco mais para ter acesso há mais recursos? Apostaremos em fontes de energias alternativas ou na conquista espacial? A elevação da produtividade do trabalho terá o objetivo de elevar a produção geral de riquezas ou reduzir a jornada de trabalho?

Os produtores, por meio de conselhos eleitos, disputarão o curso futuro da riqueza que produzem no lugar de eleger o capataz de plantão nos próximos quatro anos: os guardiões do mercado capitalista. Esta sociedade possível, no entanto, apenas se tornará realidade se a propriedade privada da produção for apropriada por aqueles que produzem, acabando com a divisão entre produção social e apropriação privada. Esta é a saída!

--------------------------------

Leia também: