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Roi Queimado morreu com amor
em seus cantares, par Santa Maria,
por ũa dona que gram bem queria;
e por se meter por mais trobador,
porque lh’ela nom quis bem fazer,
fez-s’el em seus cantares morrer;
mais ressurgiu depois ao tercer dia.
Pero Garcia Burgalês
Inicio a partir de agora uma série de artigos que trarão como temática o período histórico conhecido como Idade Média. A despeito do conceito controverso do período, do qual o autor também questiona, o objetivo destes textos não é o de discutir a validade deste conceito. Pelo contrário! Como trago como temática as produções artísticas do período na Europa (e, portanto, trataremos do medievo europeu), achei por bem manter "intacta" essa formulação como forma de facilitar o debate, já que há muitas dificuldades inerentes ao assunto. E, para iniciar este debate, trago a público um artigo sobre as as Cantigas de Santa Maria. Graças ao seu tamanho e por não ter sido elaborado para ser publicado em um blog, dividirei-o em duas partes, esta e outra (clique aqui para acessar a segunda parte), que publicarei mês que vem. Portanto, já informo que nesta parte não encontrarão as referências bilibliográficas, que são muitas e não caberiam aqui nesta publicação. E como este ensaio há bastante notas explicativas, "tradutórias" e complementares, uma sugestão é, se possível, manter duas abas abertas, uma para o texto e outra para as notas. Facilitaria a leitura mais honesta, embora a leitura corrida não prejudique a compreensão do texto, mesmo que não se leie a notas. Com o tempo, outros artigos virão, realizando já um antigo desejo deste que vos escreve. Vamos aos fatos!
Referência cultural na Espanha medieval, as Cantigas de Santa Maria, esta magnífica obra do século XIII patrocinada por Rei Afonso X (1221 – 1284), de Leão e Castela, é composta por 420 louvores (cantigas de loor) e relatos dos milagres (cantigas de miragres) da Virgem Maria escritos em galego-português. Divididas em quatro códices1, estas cantigas foram pensadas para serem cantadas e sua organização respeita a terça parte de um Rosário, como se rezasse um terço, pois ao fim de cada nove cantigas de milagres há uma de louvor. No que concerne ao conteúdo, adotou-se historicamente o conceito delineado pelo próprio autor, onde as cantigas de milagre narram intervenções milagrosas da Virgem em favor de seus devotos, nos mais diversos ambientes e as cantigas de louvor louvam as virtudes e a beleza da Virgem.
Considerada a “Bíblia estética do século XIII”2 é, sem dúvida, o conjunto de documentos mais importante do seu tempo escrito na Península Ibérica, não somente pelo seu inestimável valor artístico, mas sobretudo pelo seu valor histórico. Produzida no scriptorium d’O Sábio3, na cidade de Toledo – então capital de Castela –, por colaboradores formados nas três culturas predominantes na região: a cristã, a muçulmana e a judaica, as cantigas ajudaram a impulsionar uma verdadeira revolução cultural em uma região reconquistada por séculos pelos mouros muçulmanos oriundos do norte da África.
Eram tempos de expansão, de conquistas e reconquistas. Entre os séculos VIII e o XV, muçulmanos e cristãos disputaram os cobiçados espaços da Península Ibérica. Com o fechamento de praticamente todo o mediterrâneo pelos árabes, o comércio marítimo foi interrompido, ficando a cargo das rotas terrestres (bastante precarizadas pelas disputas por territórios em todo o continente) a única via de troca de produtos, que praticamente cessou, forçando as aglomerações humanas a produzir, em autarquia perfeita, aquilo de que precisavam. Isso aprofundou – à exceção da própria Península Ibérica que, graças à sofisticação da cultura árabe do período, dispunha de um conhecimento técnico mais aprimorado que o do restante da Europa – o processo de agrarização oriundo da destruição do império romano, alguns séculos antes.
Esse processo ocasionou no surgimento de grandes latifúndios aristocráticos, relegando aos burgos (cidades), um papel bastante secundário no que concerne à atividade econômica4. Em uma sociedade em que não se privilegiava a produção de mercadorias, toda a sociedade se organizava a partir dos feudos, tendo como centro gravitacional a relação entre duas classes sociais distintas e antagônicas: a aristocracia, proprietária das terras junto com a igreja, e os servos5.
A partir dessa lógica social é que devemos compreender a busca incessante por territórios e a necessidade de se expandi-los. E na Península Ibérica não poderia ser diferente. Fomentada boa medida pela igreja católica – que, além de portadora de uma fatia enorme de todas as terras cultiváveis no período, “incentivava” desde finais do século XI as cruzadas –, a cristandade foi, pouco a pouco, recuperando sua hegemonia na península, a tal ponto de, no período de Afonso X já controlar praticamente toda a região: a partir das conquistas de Córdoba (1236), Múrcia (1243) Jaén (1246), Sevilha (1248) e Cádis (1263), o domínio mouro limitava-se tão somente ao reino de Granada6.
Após a morte de Afonso IX de Leão, em 1230, os reinos de Castela e de Leão uniram-se definitivamente sob o reinado de Fernando III (pai de Afonso X), que se estende até 1252, ano de sua morte. Aproveitando-se dessa união de recursos econômicos e humanos – e a partir de uma direção político-militar conjunta – os castellanoleoneses protagonizaram uma expansão territorial espetacular, que só foi possível graças ao desmoronamento interno do Califado Almôade, inciado após da derrota na batalha de Navas de Tolosa, em 1212, e a ruptura da unidade política de Al-Andaluz.
Poco después, en 1262, Alfonso X el Sabio (1252-1284) decidió acabar con la independencia del reino de Niebla. Finalmente, entre 1264 y 1266, el monarca castellano, con la colaboración de Jaime I de Aragón, debió aplastar con dureza la sublevación mudéjar, cuyos principales focos se localizaban en Jerez y Murcia, aprovechando la ocasión para ocupar militarmente los territorios de la Cuenca del Guadalete y la bahía de Cádiz. La consecuencia principal de la revuelta fue el fuerte descenso demográfico de la población andaluza propiciado por la expulsión de los sublevados y la emigración mayoritaria de los restantes mudéjares de Andalucía.7
Deste processo restou de pé apenas o reino de Granada, que não findou graças a condições bastante específicas, tais como uma grave crise econômica no último terço do século XIII; a crise entre nobreza e monarquia, que adquiriu especial virulência nos anos finais do reinado de Afonso X e que foi abordada inclusive nas Cantigas de Santa Maria; a condição subserviente do emirado granadino a Castela, dentre outros.
Uma vez consolidadas as conquistas militares, a tarefa fundamental era a reorganização social e econômica dos territórios recém incorporados à Coroa de Castela. Isso porque, as condições da conquista de cada território determinaria também as características de cada repovoamento. Assim, nas principais cidades andaluzes – Úbeda, Jaén, Baeza, Córdoba, Sevilha –, bastante populosas, a evacuação dos habitantes se deu mediante um acordo que implicava necessariamente na retirada imediata de toda a população muçulmana. Este escoamento demográfico foi muito difícil de drenar já que a população de Castela era diminuta se comparada às das cidades islâmicas, inviabilizando, igualmente, uma ofensiva contra Granada8, que cairia somente quase um século e meio mais tarde, período em que a Espanha já estaria praticamente toda unificada e se lançaria aos mares em buscas de novos territórios.
Esses acontecimentos são de extrema importância, pois não passaram impunes nas Cantigas de Santa Maria. O maior incentivador da cultura na Península Ibérica de seu tempo era também o rei de Castela. Além de patrocinar, incentivar, colaborar e organizar as Cantigas, coube a Afonso X a participação direta na produção de obras de outra estirpe, como escritos jurídicos, científicos, políticos, dentre outros. O mais conhecido destes escritos talvez seja Las Siete Partidas9, também conhecido como Libro de las Leyes.
Considerada o legado jurídico espanhol de maior importância até o século XIX, a obra comunga de preceitos jurídicos, filosóficos, religiosos e morais de vertente greco-latina, colocando-se como uma espécie de Constituição do seu reinado. Tal carta vem a subscrever, boa medida, parte considerável dos valores conferidos aos mouros encontrados nas CSM.
Redigidas em Castelhano, a obra divide-se em sete livros (ou partidas), que são divididos em títulos (ao todo são 182), sendo estes divididos em várias leis, compondo 2683. Considerada a summa de direito pelo seu caráter unitário, possui uma visão teologal do mundo, caracterizando, delineando e julgando as matérias tratadas sob uma perspectiva bastante cristã: Y decimos que deben vivir los moros entre los cristianos en aquella misma manera que dijimos en el título antes de este que lo deben hacer los judíos: guardando su ley y no denostando la nuestra. Por esto en las villas de los cristianos no deben tener los moros mezquitas ni hacer sacrificios públicamente ante los hombres. Y las mezquitas que tenían antiguamente deben ser del rey, y puédelas él dar a quien quisiere. Y comoquiera que los moros no tengan buena ley, sin embargo mientras vivieren entre los cristianos, en seguridad de ellos no les deben tomar ni robar lo suyo por fuerza.10
Por toda a obra encontra-se uma série de determinações direcionadas tanto aos mouros quanto aos judeus. Em suma, toda a convulsão político-religiosa do período está aqui regrada a partir de princípios de convivência, visando às garantias de manutenção de práticas culturais e religiosas, que aparecem dentro das outorgações reais.
(…) la novena es si alguno da armas a los moros, o navíos, o los ayuda de otra manera cualquier contra los cristianos; (ALFONSO EL SABIO. Las Siete Partidas, Título 9 – De las excomuniones, ley 2, p. 22)
Eis um fator importante para que compreendamos o caráter político das Cantigas de Santa Maria11.
Conjugando poesia, escrita, música e iconografia, as CSM nos remetem a uma das atividades culturais mais importantes promovidas pelo “Rei Sábio”, a música. Congregando uma verdadeira legião de artistas e estudiosos renomados de seu tempo, Afonso deu especial atenção à música, essencial em toda a sua concepção artística por ser essencial em todo o fazer artístico medieval12. Poésie et musique ensemble, chant pur, le trobar (c’est ainsi qu’il se nomme) confie à la voix humaine le soin d’ouvrir, au sen de l’espace empirique où elle réssonne, l’entrée du jardin clos : l’aizi (en occitan), qui est le lieu de l’amour, l’aise (en ancien français), mots où survit le latin adjacens, l’endroit d’à-côté, tourjours d’à-côté, terme d’une appropriation nécessairement différée. D’où la concentration sur lui-même du texte de la chanson.13
A importância histórica do “trovar” na lírica medieval deixa marcas perenes na cultura ocidental, como bem atesta Otto Maria Carpeuax14. A partir desta retórica, os italianos criam – no mesmo período – o dolce stil nuovo, e os franceses sofisticam sua lírica provençal. Cabe a Afonso X – influenciado boa medida pelos cancioneiros galego-portugueses, aliás, ele mesmo um cancioneiro – revolucionar esta “arte” com a multiplicidade de temas no cancioneiro mariano, agregando contudo um caráter propagandístico por meio de um viés espiritual.
A sensorialidade presente nas Cantigas de Santa Maria – a partir obviamente dos dogmas cristãos – marca a consolidação do movimento reurbanizador15 corrente no século XIII, iniciado ao menos dois séculos antes na península, além de uma irrupção do maravilhoso, recuperado justamente pela literatura. Decorre daí uma espécie de ligação afetiva entre o rei e seus súditos16, onde o rei se traveste de trovador a partir de uma tradição cavaleiresca cristianizada já bastante corrente e forte na Europa, sendo o castelo o centro de poder, com seu luxo, sua estética e narrativas. Não à toa serem consideradas, as CSM, uma verdadeira catedral do saber. E seu grande articulador, o rei de Castela, ter como alcunha O Sábio.
À medida que os mouros perdiam força na Península Ibérica17, crescia a influência de Castela não somente em territórios de Espanha, mas para além dele. Com o controle praticamente total da região, o controle cada vez maior de territórios e as principais vias de comércio com o restante da Europa agora sob sua tutela, o século XIII representou uma verdadeira virada econômica, possibilitando – ainda que lento – o crescimento gradual de suas cidades, que se viram praticamente esvaziadas com o êxodo dos árabes.
Essa conjuntura impulsionou o ressurgimento do comércio, permitindo a projeção de uma nova classe social emergente: a burguesia. Distante dos feudos e residente dos centros urbanos, contribuiu não somente para o crescimento populacional das cidades, mas também em sua importância econômica, provocando a gradual desestabilização das estruturas feudais e a consequente ascensão da figura do rei.
No âmbito das cidades, a liberdade (no sentido dado pela burguesia) será um atributo natural do cidadão. Essa nova classe social – entregue ao exercício do comércio e ao da manufatura nos burgos medievais – conquista aos poucos o status de uma ordem privilegiada que forma uma classe jurídica afim de lhe conceder direitos especiais. Essa conquista social possibilita à burguesia reivindicar para si a liberdade, até então monopólio da nobreza, que gradualmente vai cedendo lugar para a esta nova classe pungente18. Nenhum sistema mostra melhor a fatal desaparição do antigo sistema senhorial numa época transformada pelo comércio e pela economia urbana. A circulação, que se torna cada vez mais intensa, favorece necessariamente a produção agrícola, desloca os quadros que a tinham manietado até então, arrasta-a para as cidades, moderniza-a e, ao mesmo tempo, liberta-a. Desprende o homem do solo a que tinha estado por tanto tempo sujeito. Substitui cada vez mais amplamente o trabalho servil pelo trabalho livre.19
Essa prosperidade econômica possibilitou o investimento na cultura, nas ciências e nas artes. É o período, por exemplo, da explosão do estilo gótico, sobretudo na construção das majestosas catedrais, mas não somente. O conhecimento descentraliza-se; deixa de ser exclusivo dos clérigos. Surgem, assim, os primeiros intelectuais laicos. Esse panorama é necessário para se fazer a inserção da corte afonsina na nova dinâmica política, social e cultural da Europa medieval.
À virada econômica associa-se a mudança dos pressupostos filosóficos que balizaram o período românico. A nova filosofia de Santo Tomás de Aquino – balizada ela também sob forte influência do pensamento do intelectual islâmico Ibn Sīnā20 – substitui a de Santo Agostinho, que percebe as coisas como alegorias. Um novo conceito de beleza é trazido pela escolástica, que defende que ela (a beleza) não existe por si só, mas se constitui como uma manifestação do divino. Para ela, os elementos inteligíveis são o ponto de partida para a obra de arte. Toda obra carecia de razão21. Estes os postulados filosóficos presentes na Europa do século XIII22.
Assim, considerando que a escolástica seja fruto do resultado da necessidade de se reconciliar o conhecimento científico pagão (bastante presente nas CSM, diga-se de passagem) à fé cristã, não é de se estranhar que a obra afonsina seja pensada para atender a estes novos princípios em voga da teologia cristã. Exemplos não faltam, como os versos metrificados, a argumentação de testemunhos que visem a garantir a veracidade dos milagres relatados, unindo fé e razão, assim como a organização lógica de todas as iluminuras ou sua composição estrófica, majoritariamente identificada no padrão árabe zéjel23. Além do mais, as poesias das cantigas não têm aquele caráter moralizante, tão comum nas odes religiosas.
Para exemplificarmos, peguemos a cantiga 10124, de milagre, intitulada Bem pod’ a Senhor sem par, em que descreve como a Virgem curou o surdo e o mudo, fazendo-os ouvir e falar.
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Nota-se o esquema clássico do zéjel nesta cantiga. A iniciar pelo estribilho inicial de dois versos monorrimos em destaque, seguidos por estrofes de quatro versos, sendo três deles monorrimos e o último verso de cada estrofe com rima marcada pelo estribilho, seguido pelo primeiro verso do refrão em separado, formando a composição AA bbba A. É clara também a explicação seguinte ao texto da narrativa, apresentando ao leitor / ouvinte o assunto do poema, assim como seu caráter: neste caso uma cantiga de milagre26. Não há, ainda, um caráter marcadamente moralizante nem na apresentação, tampouco nos versos. Essa característica é bastante comum nos versos galego-portugueses, mas não somente. É uma característica popular em todo o medievo europeu27.
Como já salientado, os séculos XII e XIII serão séculos de grandes transformações: efervescência política, econômica, intelectual e espiritual. No final do século XII, o renascimento do comércio transforma a Europa Ocidental, libertando-a do imobilismo de uma organização social baseada unicamente nas ligações do homem com a terra, conforme afirma Henri Pirenne:
Os quadros do sistema feudal, que tinham, até então, encerrado a atividade econômica, quebraram-se e toda a sociedade se impregna de um caráter mais maleável, mais ativo e mais variado. De novo, como na antiguidade, o campo se orienta para as cidades. Sob a influência do comércio, as antigas cidades romanas reanimam-se, repovoam-se, aglomerações de mercadores agrupam-se junto dos burgos, estabelecem-se ao longo das costas marítimas, nas margens dos rios, na confluência das ribeiras, nos pontos de encontro das vias naturais de comunicação.28
No interior dessa transformação econômica, política e social, opera-se também uma transformação cultural e religiosa. Observa-se uma mudança nos métodos de educação avançada, unida à instrução em língua vernácula. É o século da expansão das universidades na Europa, algumas surgidas ainda na alta idade média, como a de Bolonha, no final do século XI29.
A figura do letrado se seculariza, embora o domínio da escrita se estenda ainda à nobreza, à burguesia e aos universitários, por exemplo. A grande maioria das populações em praticamente todo o continente europeu era iletrada, sendo quase todo o conhecimento medieval transmitido de maneira oral. Dans la civilisation que nous appelons médiévale, la poésie (quel que soit son statut textuel) assume les fonctions que remplit la voix dans les cultures d’oralité primaire30. Citando Mikhail Bakhtin: é importante lembrar que não só todo reclame, sem exceção, e gritado em alta voz, mas também todos os anúncios, decretos, ordenações, leis, etc., eram trazidos ao conhecimento do povo por via oral. Na vida cultural e cotidiana, o papel do som, da palavra sonora era muito maior do que hoje em dia, na época do rádio.31
Embora o texto seja um enunciado que se irradia de uma fonte cujas apropriações são múltiplas, tendo diversas possibilidades de transmissão, a própria tessitura do texto medieval é elaborada visando à oralidade. Segundo Paul Zhumthor, Quels que soient le contenu et la fonction du texte nous sommes ainsi, de toutes parts e de toutes manières, renvoyès à la modalité vocale-auditive de sa communication.32
Em suma, na baixa Idade Média a possibilidade de uma leitura individual se contrapõe à leitura de caráter público, já que sua recepção ocorre de diferentes formas, passando a “autoria” do texto a ser compartilhada / dividida entre o leitor que transmite o texto e aquele (leitor também, de certa forma) que ouve. Deve-se levar isso em consideração em um ambiente onde se reunir para ouvir um declamador tornou-se uma prática necessária. Daí a habilidade política de Afonso X em conjugar – utilizando o galego-português, a língua culta literária de Castela – letra, música e imagem na transmissão de suas Cantigas, almejando atingir um público mais amplo que o da corte, sem excluí-la entretanto.
Produzidas no ambiente da corte, o foram no intuito de aglutinar o maior número possível de súditos no que concerne ao sentimento de identidade (pertencimento) e vassalidade ao reino. Primeiramente pela sua linguagem: o galego-português erudito, a língua literária da corte de Castela, sinônimo de sofisticação literária do período, afinal, no ambiente da corte, Afonso X também insere seus versos nos círculos culturais mais estreitos ao ambiente cortês, pensando as CSM como uma obra também para sere lida.33.
De fato, além de serem precioso documento linguístico e verdadeira obra de arte literária, iconográfica e musical, as cantigas de milagre constituem valiosa fonte histórica para o conhecimento do viver e do morrer, das doenças e das calamidades, do jogo e da prostituição, dos ofícios e dos lazeres, das crenças e das religiões, da vida quotidiana e do imaginário popular, enfim de toda a cultura ibérica na Idade Média.34
E não à toa! Para que seu projeto de centralização política fosse possível35, seria necessário atingir a grande massa de iletrados que gravitava às margens do ambiente cortês36. O fato de as CSM envolverem aspectos sensoriais de seu tempo (letra, música e imagem – remetendo às relações intelectuais calcadas na oralidade) não é em vão. As próprias relações sociais envolvendo o rei (pensemos em Afonso como o autor das Cantigas de Santa Maria no sentido daquele que as promoveu) e o leitor-ouvinte se tornaram mais próximas, assim como eles da Virgem – ou melhor, da imagem que criaram da Virgem a partir da enunciação afonsina.
O recuo do latim em favor da língua vulgar também se verificou no domínio da poesia, especialmente da poesia religiosa. Desde o século XI e durante o século XII, floresceu uma literatura piedosa, de fundo marial, à base de pequenos contos e lendas, inspirados nas intervenções salvadoras da Virgem Maria. Essa produção (que teve em Vicente de Beauvais um alto representante com o seu Speculum Storiale) foi logo transposta para as línguas românicas, em francês e espanhol sobretudo (Gautier de Coincy com seus Miracles de la Sainte Vierge (1220), Gonçalo de Berceo com os seus Milagros de Nuestra Señora, e mais tarde, na segunda metade do século XIII, Afonso X o Sábio com o seu rico cancioneiro das Cantigas de Santa Maria, uma coleção de 426 poemas, escritos em galego-português).37
Os gêneros cantados eram predominantes nas jovens literaturas vernáculas até meados do século XII. A poesia líria e as canções de gesta eram suas formas de expressão correntes. Dessa relação entre texto escrito / oralidade por meio da leitura, reside a ambiguidade da Idade Média: a aparente preeminência do oral e do escrito. Nesse universo, a voz poética é marcada pela ubiquidade, pois La lecture publique, par là même, est moins théâtrale, quelle que soit par ailleurs l’actio du lecteur : la présence du livre, élement fixe, freine le mouvement dramatique, tout en y introduisant des connotations originales. Elle ne peut néanmoins éliminer la prédominance de l’effet vocal38. A coexistência desses condicionantes poéticos diversos é universalmente atestada em todo Ocidente, desde o século X ou XI, se estendendo até os séculos XVI e XVII.39
E, apesar do uso crescente de documentos escritos a partir do século XII, não é inverdade o seu valor secundário (até aproximadamente o século XV) em relação à oralidade, aos cantos, à memória, ao simbolismo medieval. Esse o intuito que norteia a perspectiva de Paul Zhumthor em seu “A letra e a voz”, onde o autor pondera a predominância da voz sobre a letra, sem deixar de ressaltar que a oralidade dos textos não se reduz tão somente ao emprego de fórmulas estereotipadas e anacrônicas.
Reste que la civilisation de l’Occident médiéval fut celle des populations d’une petite presqu’île extrême de L’Eurasie qui, durant un millénaire, e de toutes manières, dans tous les domaines, à tous les niveuax, consacrèrent l’essentiel de leur énergie à intérioriser leurs contradictions. C’est dans ces limites, et dans ce sens, que l’on évoquera l’oralité foncières de leurs cultures : comme un ensemble complexe et hétérogène de conduites et de modalités discursives communes, déterminant un système de représentations et une faculté de tous les membres du corps social de produire certains signes, de les identifier et de les interpréter de la même manière ; comme – par la même – un facteur entre autres d’unification des activités individuelles.40
Este excerto corrobora com a ideia de que há na sociedade denominada medieval uma capacidade de aglutinação social e consolidação de uma identidade por meio da compreensão coletiva dos signos, significantes e significados. Sob essa ótica, o canto seria a realização plena da linguagem medieval, enquanto que o discurso seria a unidade linguística máxima. Esses aspectos são importantes se quisermos compreender as CSM a partir de sua composição métrica, porém, este é assunto para um próximo artigo.
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NOTAS
1 Estes códices (volumes – folhas dobradas costuradas ao longo de uma aresta) encontram-se assim distribuídos: um na Biblioteca Nacional da Espanha (Codex To, por Toledo), dois deles em Escorial (Codex E e T), cidade vizinha a Madri, e o quarto em Florença (Codex F). O primeiro, o Toledano, que pertenceu à catedral de Toledo até meados do século XIX, contém 128 composições, todas elas com notação musical; o segundo e o terceiro, os mais ricos deles por contarem com 40 riquíssimas ilustrações e 1275 iluminuras agrupadas em lâminas, contam com 417 e 198 cantigas respectivamente, todas com suas notações musicais. Já o códice de Florença contém 104 cantigas, duas delas não encontradas nos demais códices.
2 LEÃO, Ângela Vaz. Cantigas de Santa Maria de Afonso X, O Sábio – aspectos culturais e literários. se. São Paulo: Linear B; Belo Horizonte: Veredas & Cenários, 2007.
3 Alcunha dada ao rei Afonso X, que assim passou a ser conhecido em todo o Ocidente.
4 À exceção das cidades muçulmanas da Península Ibérica, ricas e opulentes.
5 Veja o que Otto Maria Carpeaux em A Idade Média relata sobre o assunto: O capital, excluído dos negócios de competição livre, imobilizou-se nas mãos da aristocracia rural e da igreja, que também se feudalizou. Os chefes supremos desses dois organismos feudais, o rei dos francos e o papa, fizeram a aliança que substituiu, no Ocidente, o cesaropapismo bizantino. Aliança instável e insegura, aliás, responsável pelas evoluções futuras e inesperadas.
Aristocratas e servos não eram os únicos componentes dessa sociedade. Havia também vagabundos sem lar nem categoria social, e entre eles surgiram os futuros negociantes e capitalistas. E havia mais uma classe, de caráter social menos definido: o clero. O alto clero, bispos e prelados, pertencentes, as mais da vezes, às famílias aristocráticas, já se estava feudalizando. CARPEAUX, Otto Maria. A Idade Média. In: História da Literatura Ocidental (Vol. 2). se. Rio de Janeiro: Leya, 2012, p. 22.
6 Ver: MATILLA, Enrique Rodríguez-Picavea. La Corona de Castilla en la Edad Media. se. Madrid: Ediciones Akal S/A, 2008.
7 Idem, p.26.
8 Ver: MATILLA, Enrique Rodríguez-Picavea. Op. Cit. Ver também: BISSIO, Beatriz. O Mundo falava árabe: A civilização árabe-islâmica clássica através da obra de Ibn Khaldun e Ibn Battuta. se. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. Ibn Khaldun, este polímata árabe que viveu na região do Magreb (atuais Marrocos, Líbia e Síria) durante o período elencado, lamentava a saída dos muçulmanos do território europeu. Para o erudito, a cultura islâmica perdera parte do seu vigor com a perda do domínio da região.
9 ALFONSO EL SABIO. Las Siete Partidas. Disponível em: http://ficus.pntic.mec.es/jals0026/documentos/textos/7partidas.pdf. Acesso: 01/09/2021.
10 ALFONSO EL SABIO. Op.cit., VII, Título 25: de los Mouros, ley 1, p.151.
11 Ver: SOKOLOWISKI, Mateus. Identidades, cultura e política nas Cantigas de Afonso X o Sábio (1252 – 1284). Revista Vernáculo. Universidade Federal do Paraná, no 35 - 1o semestre 2015, p. 109-132. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/vernaculo/article/view/37351/24410. Acesso: 01/09/2021. Foi um artigo bastante esclarecedor e que ajudou na fundamentação teórica do texto justamente por me fazer ver as Cantigas para além de sua belíssima composição estética. Bem da verdade, andam juntos o projeto estético e político das CSM, como veremos nos próximos parágrafos.
12 Exemplo bastante significativo nesse aspecto foi a existência na corte de uma escola de polifonia.
13 TRADUÇÃO LIVRE: Poesia e canção juntas, canção pura, o trobar (assim que é chamado) confia à voz humana a função de abrir, no sentido do espaço empírico onde ela ressoa, a entrada do jardim murado: aizi (em occitano), que é o lugar do amor, l’aise (em francês antigo), adjacências latinas que sobrevivem, o lugar ao lado, sempre ao lado, termo de uma apropriação necessariamente adiada. Daí a concentração sem si mesmo do texto da canção. In: ZUMTHOR, Paul. La mesure du monde – Représentation de l’espace au Moyen Âge. (Edição digital). se. Paris: Éditions du Seuil, 1984, posição 7344.
14 CARPEAUX, Otto Maria. Op. Cit.
15 Almejando continuar e intensificar a política de integração e reconquista iniciada por seu pai, os planos de Afonso X eram não somente o de expandir as fronteiras de Castela para o sul, expulsando os mouros da península; intentava também adentrar para a África, tendo obtido inclusive algumas vitórias, logo suprimidas pelos árabes. Ver: MARIANI, Ricardo. Mouros e Judeus nas cantigas de Santa Maria: inclusão, marginalização e exclusão no projeto político-cultural afonsino. 2019. 132 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.
16 Esta relação se forja por meio daquilo que se denomina Mirabiiia, na Idade Média. Vejamos o conceito a partir do sítio E-Dicionário de Termos Literários, de Carlos ceia. Citação direta: O pensamento antigo sobre a natureza (e não só o dos mitógrafos e paradoxógrafos gregos) incorpora mitos científicos, que depois a alegoria medieval retoma dentro da espécie “prodígios”, mas muitas vezes apresentando-os retorica e experimentalmente como novitas. Trata-se, no caso da Antiguidade, duma tentativa de exploração dos enigmas naturais, onde o relato fantástico ou o mito residual é aceite como prova cientificamente boa; no cado dos autores medievais, e dalguns mais tardios, trata-se sobretudo do interesse de inserção dos enigmas numa metafísica de revelação. Em ambos os casos, os fenómenos não deixam nunca de ser considerados naturales res, partes da Imago mundi. Estão assim excluídas do conceito as miraculosas intervenções na ordem natural, do foro teológico/demonológico.
As ocorrências ora remetem para uma auctoritas (História dos Animais de Aristóteles, p. ex., ou o Timeu de Platão com a sua ideia cosmogónica), ora para a tradição oral baseada em relatos de viagens. Há uma linha de aproveitamento poético destes fenómenos desde Calímaco e Ovídio (Camões no Canto V d’Os Lusíadas, na descrição da tromba marítima); há alinha mais substancial da mitografia científica inserta em obras de divulgação enciclopédica (Teofrasto, Vitrúvio, Plínio o Velho; depois, Santo Isidoro e, já nos sécs. XII e XIII, Gillaume de Conches, Alexandre Neckam, Bernard Sylvestre e Gossuin de Metz, ente outros); ainda se deve ter em conta a tradição medieval do imaginário maravilhoso associado á condição original do homem, de que a Carta de Prestes João ao Imperador de Bizâncio é talvez o expoente, na descrição duma terra que destila mel, e cujos rios criam pedra preciosas. Até ao séc. XVIII subsistem fantasias utópicas deste tipo, embora por vezes já com reconhecimento crítico e, portanto, com carácter satírico. In: https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/mirabilia/. Acesso: 05/09/2021.
17 Já no século XI, foram registrados avanços importantes no Nordeste da Península, cujo episódio emblemático é a criação do Reino de Aragão, antigo condado dos Francos, formado através da junção de unidades autônomas localizadas naquela porção do continente. É importante notar, contudo, a permanência moura em regiões importantes da Península, além das disputas políticas no interior do mundo islâmico que afetaram as ambições expansionistas dos califas. Espaços relevantes do mundo ibérico permaneciam sob comando muçulmano, como Badajoz (a oeste), Toledo (ao centro), Saragoça (com saída ao mediterrâneo a nordeste), Sevilha e Granada (ao sul). No século seguinte, como já abordado, parte estratégica dessa região seria retomada pelos cristãos, como Toledo, futura capital do reino de Castela, de Afonso X.
18 Ver o capítulo XXIV d’O Capital – A chamada acumulação primitiva, que nada mais é que o processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção. É considerada primitiva porque constitui a pré-história do capital e do modo de produção capitalista. Há, neste capítulo, uma boa abordagem desse processo de transição que descrevemos no texto. In: MARX, Karl. O Capital (Livro 1, Tomo 2). Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 27.ed. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2014.
19 PIRENNE, Henri. As cidades da Idade Média. Tradução: Carlos Montenegro Miguel. 4.ed. Lisboa: Publicações Europa-América, 1977, p. 166. A perspectiva de Henri Pirenne é tão real quanto “maquiada”. No capítulo XXIV d’O capital (Livro 1, Tomo 2), intitulado A Chamada acumulação primitiva, Marx assim afirma: o sistema capitalista exigia, ao contrário, a subordinação servil da massa popular, sua transformação em mercenários e a conversão de seu instrumental de trabalho em capital. (…)
Com a restauração dos Stuarts, os proprietários das terras, utilizando processos legais, levaram como a que se efetivou depois no Continente, mas sem qualquer formalidade jurídica. Aboliram as disposições feudais relativas ao solo. Transferiram para o Estado deveres que estavam vinculados à propriedade do solo, “indenizaram” o Estado com tributos incidentes sobre os camponeses e sobre o resto do povo, submeteram ao regime da moderna propriedade privada os bens em relação aos quais possuíam apenas título feudal e impuseram, por fim, aquelas leis de domicílio que, com as variações impostas pelas circunstâncias, tinham sobre os lavradores ingleses os mesmos efeitos que o dito do tártaro Bóris Godunov sobre os camponeses russos.
A “gloriosa revolução” trouxe ao poder, com Guilherme III de Orange os proprietários de mais-valia, nobres e capitalistas. Inauguraram a nova era em que expandiram em escala colossal os roubos às terras do Estado, até então praticados em dimensões mais modestas. Essas terras foram presenteadas, vendidas a preços irrisórios ou simplesmente roubadas mediante anexação direta a propriedades particulares. Tudo isso ocorreu bem e o saque aos bens da Igreja, quando os detentores destes bens saqueados não os perderam na revolução republicana, constituem a origem dos grandes domínios atuais da oligarquia inglesa. Os capitalistas burgueses favoreceram a usurpação, dentre outros motivos para transformar a terra em mero artigo de comércio, ampliar a área da grande exploração agrícola, aumentar o suprimento dos proletários sem direitos, enxotados das terras etc. Além disso, a nova bancocracia, da alta finança que acabara de romper a casca do ovo e da burguesia manufatureira que dependia então da proteção aduaneira. Marx, Karl. O Capital. Op. Cit, p. 845-846.
20 Abu Ali Huceine ibne Abdala ibne Sina, ou simplesmente Ibn Sīnā (também conhecido pelo seu nome latinizado Avicena), intelectual persa que escreveu extensivamente sobre a filosofia islâmica primitiva, especialmente no que concerne aos temas de lógica, ética e metafísica. A maior parte de suas obras foi escrita em árabe, a língua científica "de facto" não somente no Oriente Médio, mas no norte da África e em partes de Ásia e Europa.
Na Idade de ouro islâmica, graças ao seu sucesso em reconciliar o neoplatonismo e o aristotelismo ao calam (teologia escolástica islâmica), suas ideias se tornam proeminentes já no século XII, tornando-se o “avicenismo” a escola de filosofia islâmica, com Ibn Sīnād assumindo um papel de autoridade maior no assunto.
Sua influência em seu tempo fora tamanha que suas ideias atravessaram os muros das cidades islâmicas, influenciando fortemente a Europa medieval, particularmente as suas doutrinas sobre a alma e a distinção entre existência-essência, graças principalmente aos debates e tentativas de censura que elas provocaram na Europa escolástica. Essa situação foi particularmente visível em Paris, onde o “avicenismo” foi proscrito em 1210. Mesmo assim, a sua psicologia e a sua teoria do conhecimento influenciaram William de Auvergne e Alberto Magno, enquanto que a sua metafísica teve impacto no pensamento de Tomás de Aquino. Suas obras mais conhecidas no país são O Livro da Alma e A Origem e o retorno.
21 Ver: ECO, UMBERTO. Arte e beleza na Estética Medieval. Tradução: Mario Sabino Filho. 4.ed. Rio de Janeiro: Record, 2018.
22 Um manual agradável e bastante hábil para aqueles(as) que desejam se inserir nesse universo literário e cultural da baixa Idade Média é o do professor Segismundo Spina, denominado A Cultura Literária Medieval. Nele, o autor – de forma bastante didática – expõe os principais elementos socioculturais do período, descrevendo en passant elementos filosóficos que moldaram o homem medieval, sua arte e sua cultura.
23 Vejamos o que fala Segismundo Spina a respeito dos zéjeis. Ei-lo:
O caráter românico do zéjel reside justamente na sua estrutura estrófica, pois a qasida oriental, suplantada por essa modalidade poemática, desconhecia a divisão estrófica: era uma poema monórrimo e sem refrão.
O zéjel (ou a moaxaba) é uma composição formada por uma pequena estrofe inicial (estribilho) e um número variável de estrofes compostas de três versos monórrimos, seguidas de outro verso de rima igual à do estribilho. O esquema métrico fundamental, determinado pelas condições do canto e da coreografia (pois o zéjel significa “bailado”), é portanto AA bbba (AA), ccca (AA), ddda (AA) etc. In: SPINA, Segismundo. Manual de Versificação Românica Medieval. 2.ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003, p. 89-90.
24 É possível ouvir esta cantiga no link: https://open.spotify.com/track/5QUANhsEtQR1KOrqZYzlB1#login.
25 AFONSO X. Cantigas de Santa Maria. In: http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.do?select_action=&co_autor=1933. Acesso: 12/07/2021.
26 Este é um artifício corrente nos poemas medievais: nas cantigas galego-portuguesas, entre os versos dos trovadores franceses e mesmo no dolce stil nuovo italiano é um recurso bastante utilizado, consensual eu diria.
27 O século XIII também expressava o gosto pela poesia plurilíngue, com trovadores que viajavam de um lugar a outro, de corte a corte, adaptando-se às distintas línguas vernáculas para ganhar sua vida. No mundo arábico-andaluz era corrente a chamada literatura de viagem, escrita esta em prosa em um árabe formal.
28 PIRENNE, Henri. As cidades da Idade Média. Op.Cit, p. 82.
29 As sociedades islâmicas já possuíam universidades desde o século VII, como é o caso da Universidade Al-Qarawiyyin – ou Karaouine –, Fes, no Marrocos, em 859 d.C, a primeira do mundo.
30 TRADUÇÃO LIVRE: Na civilização que chamamos de medieval, a poesia (qualquer que seja seu status textual) assume as funções que a voz preenche nas culturas de oralidade primária. In: ZUMTHOR, Paul. La lettre et la voix de la « Littérature » médiévale. (Edição digital). se. Paris: Éditions du Seuil, 1987, p.241.
31 BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais. Tradução: Yara Frateschi Vieira. se. São Paulo: Hucitec; Brasília: Editora da UNB, 1987, p. 157. Embora o autor remeta-se ao século XVI, como podemos comprovar em vários estudos, essa oralidade é uma tônica de todo o período conhecido como Idade Média.
32 TRADUÇÃO LIVRE: Quaisquer que sejam o conteúdo e a função do texto, somos assim, em toda parte e em todas as maneiras, levados à modalidade vocal-auditiva de sua comunicação. In: ZUMTHOR, Paul. La lettre et la voix de la « Littérature » médiévale. Op.Cit., p. 43.
33 Ver: SOKOLOWISKI, Mateus. Identidades, cultura e política nas Cantigas de Afonso X o Sábio (1252 – 1284). Op.cit.
34 LEÃO, Ângela Vaz. Op. Cit., p. 27.
35 Muito interessante, neste sentido, o artigo O Trovadorismo galego-português e o embate centralizador: encontros entre política e poesia nos primórdios medievais da construção nacional portuguesa, de autoria de José D’Assunção Barros. Neste estudo, o autor discute a forma como a monarquia portuguesa se apropria do movimento trovadores como um todo, para oferecer, no âmbito cultural, um modelo adequado aos objetivos centralizadores do reino. A base deste processo é a construção de um ‘Paço Trovadoresco’ – lugar cultural que centraliza na Corte todo um movimento poético que se dava no reino – e, no centro deste Paço Trovadoresco, a elaboração de uma Realeza trovadoresca (p. 11). Nesse contexto, discute igualmente – de forma sucinta obviamente – as disputas internas entre a nobreza como parte deste processo centralizador. E os reis que se delineiam em seu estudo – em “Portugal” ou na Castela do período – ou são trovadores, como Dom Diniz ou Afonso X, ou os protege, como Dom Afonso III, por exemplo. In: BARROS, D’Assunção. O Trovadorismo galego-português e o embate centralizador: encontros entre política e poesia nos primórdios medievais da construção nacional portuguesa. Revista Literatura em Debate. Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões, v 1, no 1 - 2007, p. 01-22. Disponível em: http://revistas.fw.uri.br/index.php/literaturaemdebate/article/view/414. Acesso: 10/08/2021.
36 Rodrigues Lapa tratou a questão da seguinte maneira: Nela todas as classes sociais se vestem à sua maneira, falam a sua linguagem, denunciam os seus sentimentos: o papa enamorado, o rei enfermo e devoto, o rico homem soberbo e aventureiro, o mercador ganancioso, o judeu sórdido e perseguido, o mouro cavaleiro, o taful blasfemo, o jogral remedador, a monja voluptuosa e pecadora, e até mesmo o mesmo menino inocente e dadivoso.
37 SPINA, Segismundo. Cultura literária medieval: uma introdução. 3.ed. Cotia: Ateliê Editorial, 2007, p.89-90.
38 ZUMTHOR, Paul. La lettre et la voix de la « Littérature » médiévale. Op.Cit., p. 19.
39 Idem, p.19-20.
40 TRADUÇÃO LIVRE: Acontece que a civilização do Ocidente medieval foi a das populações de uma pequena península extrema da Eurásia que, durante um milênio, e de todas as maneiras, em todos os níveis e domínios, consagrou o essencial de sua energia à internalizar suas contradições. É dentro desses limites, e sob essa perspectiva, que vamos evocar a oralidade fundamental de suas culturas: como um conjunto complexo e heterogêneo de comportamentos e modalidades discursivas comuns, determinando um sistema de representações e um corpo docente de todos os membros do corpo social de produzir certos signos, de identificá-los e de interpretá-los da mesma maneira; como – por isso – um, dentre outros fatores, de unificação das atividades individuais. In: ZUMTHOR, Paul. La lettre et la voix de la « Littérature » médiévale. Op.Cit., p. 22-23.