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Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Práxis

Os filósofos limitaram-se sempre a interpretar o mundo de diversas maneiras; porém, o que importa é modificá-lo.

Crescimento e crises no capitalismo

09.12.18

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Na apreciação de acontecimentos e séries de acontecimentos a partir da história atual, nunca teremos condições de retroceder até a última causa econômica. Mesmo nos dias de hoje, em que a imprensa especializada pertinente fornece material em abundância, ainda é impossível, inclusive na Inglaterra, acompanhar dia após dia o passo da indústria e do comércio no mercado mundial, assim como as mudanças que ocorrem nos métodos de produção, de tal maneira que se possa fazer, a todo momento, a síntese desses fatores sumamente intrincados e em constante mudança, até porque os principais deles geralmente operam por longo tempo ocultos antes de assomar repentina e violentamente à superfície. A visão panorâmica clara sobre a história econômica de determinado período nunca será simultânea, só podendo ser obtida a posteriori, após a compilação e a verificação do material. A estatística é, nesse ponto, recurso auxiliar necessário, mas sempre claudica atrás dos acontecimentos. Por isso, tendo em vista a história contemporânea em curso, seremos muitas vezes forçados a tratar como constante, ou seja, como dado e inalterável para todo o período, este que é o fator mais decisivo, a saber, a situação econômica que se encontra no início do período em questão; ou então seremos forçados a levar em consideração somente as modificações dessa situação oriundas dos próprios acontecimentos que se encontram abertamente diante de nós e que, por conseguinte, estão expostos à luz do dia. Por isso, nesse ponto, o método materialista com muita frequência terá de se restringir a derivar os conflitos políticos de embates de interesses das classes sociais e frações de classes resultantes do desenvolvimento econômico, as quais podem ser encontradas na realidade, e a provar que os partidos políticos individuais são a expressão política mais ou menos adequada dessas mesmas classes e frações de classes.

Friedrich Engels. Prefácio aa [As Lutas de Classes na França de 1848 a 1850, de Karl Marx (1895)]. Boitempo .

 

O presente texto tem por mote discutir, a partir do ensaio de Leon Trotsky «La curva del desarrollo capitalista»1 (A curva do desenvolvimento capitalista, em português), os ciclos de crise dentro do capitalismo, bem como analisar o debate público entre ele e o economista menchevique Nicolai Kondratiev. Trata-se de uma reflexão inicial sobre o tema, bastante polêmico entre nós marxistas, mas não só: pretendemos aqui trazer à tona esta reflexão, um tanto esquecida nos meios políticos e até acadêmicos, sem, contudo, pretender esgotar o tema, bastante caro às nossas fileiras.

 

Sabemos da importância da tarefa, e não vamos nos abster. Iniciaremos então nossa explanação partindo de uma espécie de resumo das ideias de Trotsky sobre a questão, para em seguida contrapô-la às de Kondratiev. É sim uma tarefa hercúlea de se resolver hoje em dia, em seu pleno e amplo desenvolvimento, «o determinar daqueles impulsos subterrâneos que a economia transmite à política de hoje»2, muitos dos quais ocasionados à pressa em que buscamos respostas a questões complexas. Daí a necessidade de se recorrer à materialização de conceitos teóricos a partir da experiência cotidiana de atividades políticas, a tal práxis, como diriam Engels e Marx.

 

Mas a política segue seu fluxo, em um ritmo semelhante, sem mudanças significativas de qualidade. Assim, conceitos «abstratos» como «os interesses da burguesia», «o imperialismo», «o fascismo», dentre outros, cumprem muito bem suas tarefas, que são a de interpretar minimamente fatos políticos com relativa profundidade algumas vezes, mas os reduzindo a tipos familiares de análises, que são de inestimável importância para se compreender os paradigmas políticos de cada um deles.

 

Contudo, quando ocorre uma mudança mais séria na situação política e econômica, estas explicações mostram todos os seus limites, deixando-se desvendar todo o discurso vazio que carregam. Isso porque são discursos absolutistas, invariáveis, antidialéticos. Assim, no curso dessas mudanças que surgem, faz-se necessário debruçar com seriedade e paciência e estudar de maneira profunda e analítica, intuindo não somente determinar aspecto(s) qualitativo(s) desse processo, mas também a possibilidade de se medir quantitativamente os impulsos da economia sobre a política. Estes «impulsos» «representam a forma dialética das ‘tarefas’ que se originam a fundação dinâmica e são transmitidas para buscar solução à esfera da superestrutura»3.

 

Já as oscilações da conjuntura econômica (auge – depressão – crise) são provocadas por impulsos periódicos, ocasionando mudanças ora quantitativas, ora qualitativas, que alternam vez ou outra o campo político. Assim, o índice de desemprego, a relação favorável ou não da balança comercial no comércio exterior, a taxa de lucro da burguesia, a relação que o estado mantém com as classes subservientes, dentre outros, estão intrinsecamente ligados à conjuntura econômica e exercem uma influência monstruosa sobre a política.

 

Uma leitura feita somente a partir desses pressupostos econômicos é por si só satisfatória para compreender, por exemplo, a evolução dos partidos políticos na sociedade (assim como seus programas), a função das instituições estatais (o papel que cumprem para a manutenção da ordem vigente) e suas relações com os ciclos do desenvolvimento capitalista. Todavia, seria um sofisma afirmar que os ciclos – embora muito importantes – explicam todo o processo. Bem da verdade, tais ciclos, longe de serem fenômenos econômicos fundamentais para o desenvolvimento capitalista, não são mais que seus derivados. Dessa forma, se queremos de fato compreender a dinâmica das crises dentro do capitalismo, devemos também adentrar mais profundamente nos pontos de ruptura da conjuntura comercial e industrial, que influenciam diretamente outras questões importantes neste processo, como tendências políticas, legislação e todas as formas de ideologias, por exemplo.

 

Mas o capitalismo não se caracteriza somente pela periódica recorrência dos ciclos; de outra maneira, a história seria uma repetição completa e não um desenvolvimento dinâmico (dialético). Os ciclos comerciais e industriais assumem diferentes facetas em diferentes períodos. A diferença principal entre eles perpassa nas suas interrelações nos períodos de crise e de ascensão (auge) de cada ciclo. Em suma, se «o auge restaura com um excedente a destruição ou a austeridade do período precedente, então o desenvolvimento capitalista está em ascensão. Se a crise, que significa destruição, ou em todo caso contração das forças productivas, sobrepassa em intensidade o auge correspondente, então obtemos como resultado uma contração da economia»4. Finalmente, se tanto a crise quanto o auge se parelham no que concerne à magnitude, obtém-se um equilíbrio temporário da economia.

 

Dessa forma, não é difícil perceber o agrupamento em série destes ciclos mais ou menos homogêneos. Ou seja, quando temos um conjunto de cliclos com auges agudamente delineados e crises débeis e/ou de vida curta, podemos afirmar que estamos passando por épocas de «pleno» desenvolvimento capitalista. Neste ponto, a curva de desenvolvimento está ascendente. Porém, quando as relações entre auges e crises permanecem relativamente estáveis por anos ou décadas – a despeito de oscilações cíclicas ocasionais –, ou quando a curva se inverte, passando a ser composta por crises agudas em detrimento dos auges pequenos e esporádicos, podemos dizer que a curva se mantém estável ou se torna descendente. Neste caso, há a declinação das forças produtivas.

 

E é claro que essa interrelação entre os ciclos interfere diretamente nas formas (política, leis, filosofia, poesia...) como atuam os estados. E não é menos claro que uma transição de um estágio (ou época) a outro ocasiona necessariamente as maiores convulsões nas relações entre classes e entre estados.

 

Veja como se distancia esse raciocínio de uma concepção puramente mecanicista dos ciclos e, mais, da visão corrente de atual desintegração capitalista oriunda por meio destes ciclos. Infelizmente esta é a visão mais corrente em nossos meios, inclusive entre os marxistas (e marxianos acadêmicos), que legam erroneamente a Marx esses postulados. «Filisteus vulgares!», diriam uns. Se a substituição periódica de auges «normais» por crises «normais» encontrasse escopo em todas as esferas da vida social, então uma transição de toda uma época de ascenso a outra de declinação, ou vice-versa, engendraria os maiores distúrbios históricos. Contudo, não é difícil demonstrar que, em muitos casos, as revoluções e as guerras se expandem entre a linha de demarcação de duas épocas distintas de desenvolvimento econômico, como por exemplo a união de dois segmentos diferentes da curva capitalista. Analisar toda a história moderna desde este ponto de vista é realmente uma das tarefas mais gratificantes do materialismo dialético.

 

Não à toa ter sido este o fulcro central de um debate harmônico entre Trotsky e Kondratiev. Vejamos o que diz Trotsky a este respeito:

 

Continuando con el Tercer Congreso Mundial, el profesor Kondratiev se aproximó a este problema – como es usual, evadiendo dolorosamente la formulación de la cuestión como fuera adoptada por el Congreso mismo – intentando agregar al "ciclo menor”, cubriendo un período de diez años, el concepto de un "ciclo mayor”, abrazando aproximadamente cincuenta años. De acuerdo a esta construcción simétricamente estilizada, un ciclo económico mayor consiste de unos cinco ciclos menores, y además, la mitad de ellos tienen el carácter de ascendentes, mientras la otra mitad son de crisis, con todas las etapas necesarias de transición. La determinación estadística de los ciclos mayores compilada por Kondratiev deberá ser sujeta a una cuidadosa y nada crédula verificación, tanto respecto a los países individualmente como al mercado mundial como un todo. Es ahora imposible refutar por adelantado el intento del profesor Kondratiev a investigar las épocas rotuladas por él como ciclos mayores con el mismo “ritmo rígidamente legítimo” que es observable en los ciclos menores; esto es obviamente una falsa generalización de una analogía formal. La recurrencia periódica de ciclos menores esta condicionada por la dinámica interna de las fuerzas capitalistas, y se manifiesta por sí misma siempre y en todas partes una vez que el mercado ha surgido a la existencia.

 

Mas do que trata Kondratiev, afinal de Contas?5 No início dos anos 1920, mais especificamente em 1922, o economista russo Nicolai Kondratiev produziu um estudo sobre a regularidade do desenvolvimento da economia capitalista e definiu, com base em análises estatísticas, que a uma fase de expansão segue-se outra de contração. Essa teoria, chamada pelo autor de «teoria das ondas longas», sugeria que as crises no capitalismo seriam determinadas por períodos mais ou menos longos, com cerca de 50 anos de duração cada, e oriundas elas mesmas da dinâmica interna do próprio capitalismo. Uma visão mecânica economicista da realidade. Partindo de curvas empíricas, Kondratiev construiu curvas teóricas, que, a seu ver, mostravam tendências seculares. «Considerou ter encontrado dois ciclos longos e meio entre 1780 e 1920, anunciando que, quando escrevia, iniciava-se a fase descendente do terceiro ciclo. Propôs, em seguida, uma interpretação dessas curvas: «A base dos ciclos longos é o desgaste, a reposição e o incremento do fundo de bens de capital básicos, cuja produção exige investimentos enormes. (…) A reposição e o incremento desse fundo não é um processo contínuo. Realiza-se por saltos»6. Revela-se aí uma possível explicação sua para origem desses ciclos econômicos. Nada escapa a este modelo.

 

Seus argumentos repousaram na defesa de que a dinâmica das variações estava determinada por contradições econômicas endógenas: um movimento de rotação de capital com um ciclo longo, porém embasado, segundo o autor, no mesmo padrão causal para os ciclos curtos descoberto por Karl Marx, em O Capital.

 

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No entanto, Trotsky duvida de uma aproximação endógena ao tema do desenvolvimento capitalista na longa duração, e defende que os fluxos e refluxos da luta de classes incidem sobre as flutuações dos processos econômicos. Dessa forma, e visando a mostrar a inconstância do raciocínio de Kondratiev, sugere o uso infundado, por parte daquele, do termo «ciclos», na medida em que não se deve destacar a durabilidade e o caráter das crises capitalistas pela sua própria dinâmica interna, mas pelas condições externas que constituem a estrutura da evolução capitalista como um todo. Assim, citando o próprio Leon, a «aquisição para o capitalismo de novos países e continentes, o descobrimento de novos recursos naturais e, no despertar destes, fatos maiores de ordem ‘superestrutural’, tais como guerras e revoluções, determinam o caráter e a resituação das épocas ascendentes estancadas ou declinantes do desenvolvimento capitalista».

 

Para Trotsky, ainda dialogando com Nicolai, é preciso estabelecer a curva da evolução capitalista, incorporando a ela seus elementos periódicos (recorrentes) e não periódicos (tendências básicas). Após fixar a curva (por meio de técnicas da estatística econômica) poderá dividi-la em períodos dependentes do ângulo de ascenso ou descenso com respeito ao eixo de abscissas. Por este meio obter-se-á um quadro do desenvolvimento econômico, ou seja, a caracterização de «a verdadeira base de todos os acontecimentos que se investigam», para citar Engels.

 

Em outras palavras, enquanto Trotsky trata o tema de uma forma mais próxima ao materialismo histórico dialético, seu interlocutor se afasta. Isso porque logra sucesso ao analisar a dinâmica do capitalismo sem a necessidade de incorrer ao emprego da visão em termos de equilíbrio (mesmo que do tipo estático móvel), como é comum entre os economistas da tradição econômica burguesa. É certo que Kondratiev não foi um economista burguês, tampouco flertou com a teoria liberal, contudo sua teoria resvala – em decorrência muito do seu mecanicismo e economicismo, inúmeras vezes criticados por Engels e Marx – nestes pressupostos teóricos.

 

Isso quer dizer que, para Kondratiev, em sua teoria das «ondas longas», os ciclos seriam exatamente momentos de ruptura do equilíbrio. Essa visão particular das crises ocasionou algumas leituras inusitadas, como a feita por Schumpeter, economista austríaco muito em voga na primeira metade do século XX, que se utilizou desta teoria para entender as crises como oriundas do surgimento trazido pelo empreendedor capitalista. Todavia, se em Schumpeter tal perspectiva, «equilibrista», derivava de sua origem no pensamento econômico burguês, em Kondratiev a origem encontrava-se no economicismo peculiar do tipo de marxismo ao qual era adepto: a tradição econômica marxista dos mencheviques e do «marxismo legal» russo, que trabalhava numa perspectiva de equilíbrio do capitalismo e de visão mecânica das relações e fenômenos.

 

Na «curva» de Trotsky se conseguiria analisar os rumos dinâmicos do desenvolvimento capitalista de crises e ascensos, identificando essas modificações e as determinações extraeconômicas (políticas governamentais, lutas des classe, descobrimentos científicos e tecnológicos, conquistas de novos mercados, guerras, etc.), que forçam a entrada do capitalismo em suas várias e sucessivas fases, as viradas no rumo de seu desenvolvimento.

 

Esse debate, é claro, não passou incólume aos círculos marxistas. Ernest Mandel (Apud ARCARY, Valério)7, grande propagandista francês do marxismo, também entrou nesta querela. Vejamos o que diz a respeito do tema:

 

Lorsque le premier essai de Kondratieff sur «Les cycles longs de la conjoncture» parut en 1922, son auteur était probablement convaincu que sa description et ses hypothèses seraient l'objet d'un large accord, et il ne put cacher sa surprise devant la vive critique formulée par Trotsky contre son texte. Dans un article publié au cours de l'été 1923, Trotsky utilisa des données publiées par le Times de Londres pour démontrer que «la courbe du développement capitaliste» connaissait de temps à autre des tournants brusques, sous l'impact d'événements exogènes, tels que les révolutions, les guerres ou autres bouleversements politiques (la chronologie que proposait Trotsky en ce qui concerne les tournants dans le trend etait la suivante : 1781-1851, 1851-1873, 1873-1894, 1894-1913, 1913-... Elle correspond de très près aux périodisations avancées avant lui par d'autres auteurs(...) que Trotsky ne connaissait probablement pas. La convergence de si nombreux auteurs sur la chronologie, alors meme qu’ils travaillaient indépendamment les uns des autres, souligne les traits distinctifs des développements historiques du capitalisme au xix siècle. Cela revenait à critiquer Kondratieff pour sa tentative de présenter l'ensemble des facteurs politiques comme des facteurs endogènes, autrement dit d'ignorer l'autonomie des processus sociaux par rapport à la sphère économique.8

 

As preocupações de Trotsky na polêmica contra Kondratiev são, portanto, de dupla natureza: uma teórico-metodológica, e outra política. A primeira questão remete ao perigo de critérios econômicos unilaterais, que ignorem a centralidade dos processos político-sociais; a segunda recai no perigo das generalizações catastrofistas e que sustentavam o vaticínio de uma iminência da revolução, como se o capitalismo pudesse ter uma «morte natural», sem a interferência de agentes sociais para derrotá-lo.

 

Para Mendel, dentre outras coisas, era possível a conciliação entre as curvas de Trotsky e Kondratiev. Ele centrava sua análise de convergência entre ambas teorias a partir do desenvolvimento econômico, algo não muito diferente (em partes) do que protagonizou Schumpeter. Ora, para Trotsky as questões referentes ao desenvolvimento econômico sempre estiveram no centro de suas preocupações. Embora raramente as tenha organizado em artigos ou livros de maneira sistemática, suas conclusões partiram a partir desta premissa. E em nenhum momento o teórico e líder bolchevique esboçou conclusões semelhantes às de Kondratiev. Pelo contrário! A despeito de toda a polêmica gerada, inclusive nos círculos marxistas, há dois mecanismos analíticos, inclusive muito mais próximos do método científico usado por Trotsky, que nos ajudam a elucidar estas questões: a regulação econômica pela «lei do valor», desenvolvida por Preobrazhensky, e a direção do desenvolvimento, expressa por Engels.

 

No que concerne ao período em que foram escritas ambas as teses, vale ressaltar, primeiramente, que a de Kondratiev é posterior à de Trotsky. No entanto, a despeito da época, o que pesa entre as duas é de fato a perspectiva sobre a dinâmica das crises dentro do capitalismo. Se para aquele a crise pela qual passava o sistema era grave, porém momentânea, já que não era mais que uma fase de passagem para outro período de expansão do capitalismo, para o trotskysmo em geral era igualmente mais uma dentre outras tantas crises, porém sem caráter terminal. Isso porque era muito mais grave que as anteriores, já que vínhamos de uma guerra mundial que praticamente destruiu – ao menos naquele momento – seu «equilíbrio dinâmico».

Assim, sob essa perspectiva, essa desorganização demoraria anos para se encerrar. E não morreria de morte morrida; seria necessária uma grande derrota em escala global dos movimentos sociais e de um problemático rearranjo internacional, difícil naquele momento. Isso abriria espaço para organizar uma ofensiva revolucionária socialista mundial, abrindo a possibilidade de uma derrota definitiva do capitalismo. Em suma, enquanto para Kondratiev o capitalismo possuía uma dinâmica própria, independente inclusive de fatores a ela externos, para Trotsky e outros bolcheviques, a crise seria superada somente mediante a derrota da classe trabalhadora em âmbito mundial, o que veio de fato a ocorrer, isolando a ex-URSS e possibilitando - fruto da antiga sociedade - a ascensão de uma burocracia estatal, liderada por Stálin, que levaria a cabo o primeiro estado operário da história.

Segundo Almir Cezar Filho9, sobre este tema:

Marx e Engels, assim como Lênin e Trotsky, sempre mostraram a inter-relação causa-efeito-causa entre os fenômenos econômicos e políticos. Mas, diferentemente, Kondratiev, em sua teoria das “ondas longas”, apesar de partir acertadamente de Marx e Engels, de temas como os ciclos econômicos, a relação entre a luta de classes e os movimentos do capital, o recrudescimento dessa luta em momentos de crise, porém conclui considerando equivocadamente os fenômenos políticos como mero sintoma ou reflexo do ciclo econômico.

Mas, Marx não fala da fase de crise como um momento de perturbação do equilíbrio do capitalismo, mas como momentos da dinâmica desse sistema; componente obrigatório do processo temporal de acumulação.

Não há uma oposição entre equilíbrio e desequilíbrio, entre momentos sucessivos de equilíbrio e desequilíbrio. Mas há sim a idéia de dinâmica regular ou normal (na perspectiva de auto e retro-acumulação do capital), sendo que periodicamente adicionados por momentos de crise da acumulação e da necessidade de destruição do capital excedentário, que permitirá quando superados a própria retomada da trajetória de acumulação. Isto é, momentos que a dinâmica se torna irregular e/ou instável. Com esta abordagem, há um sentido lógico na dialética da acumulação ao ciclo, que é ignorado por Kondratiev.

Embora Kondratiev acerte na concepção de que o ciclo econômico respeita determinações puramente endógenas, respeitando características intrínsecas à própria acumulação do capital em larga escala, erra ao conceber tal abordagem ao desenvolvimento capitalista no longo prazo.

Partindo desta premissa, quando Trotsky cita as «determinações extraeconômicas» para falar da dinâmica do capitalismo no longo prazo, não viola, como seu «rival», a explicação marxista sobre o caráter endógeno do processo de acumulação do capital e sua relação direta com os ciclos de crise do capitalismo. Pelo contrário: com uma clareza dialética impressionante, nos explica, como poucos, que as flutuações cíclicas da dinâmica capitalista podem ter sua causa no próprio processo de acumulação. Ou seja, é também mais claro que Nicolai.

Quanto à dinâmica econômica de longo prazo, mais sujeita às delimitações estruturais, seria, portanto, mais pautada pela direção, enquanto que a dinâmica de curto prazo, conjuntural, seria pautada, em grande parte, pela regulação pela lei do valor, a grande responsável pela crise, já que é a lei fundamental do desenvolvimento capitalista, intrínseca à lei do mercado, segundo Preobrazhensky. A crise é resultado da própria operação da lei do valor, sendo ela, portanto, a força motriz que gera a interrupção do processo de acumulação, sempre impulsionada que é por fatores extraeconômicos, que aceleram, freiam ou truncam as direções do processo de desenvolvimento do sistema capitalista. Esta lei, por sinal, enriquece ainda mais a visão trotskysta das crise, deixando-a mais rica e robusta.

 

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Notas:

 

1 Artigo publicado pela primeira vez na revista Vestnik Sotsialisticheskoy Akademii (Revista da Academia Socialista), edição 4, em 1923. O referido texto em espanhol foi publicado em Naturaleza y dinámica del capitalismo y la economía de transición. Buenos Aires: Centro de Estudios, Investigaciones y Publicaciones León Trotsky, 1999). Acesso no dia 08/12/2018 em: http://revistaryr.org.ar/index.php/RyR/article/view/344.

2 TROTSKY, Leon. La curva del desarrollo capitalista.

3 Idem. Ibidem.

4 Idem. Ibidem.

5 Valério Arcary trata assim o tema: Embora ela esteja associada para sempre aos artigos que Kondratiev publicou em 1922, as primeiras apresentações da hipótese são anteriores. O que, em geral, é ignorado. Nas suas origens, a regularidade de ciclos longos atraiu o interesse tanto de militantes da Segunda internacional como Parvus, na verdade, Helphand, militante russo emigrado, pioneiro também na análise da contradição entre o amadurecimento do mercado mundial e a preservação exacerbada dos Estados nacionais, e que estabeleceu ainda uma estreita relação com Trotsky em torno das primeiras formulações da teoria da revolução permanente, e Van Gelderen que escreveu, em 1913, um único trabalho sobre as ondas longas que, por força das circunstâncias de um destino trágico que, de resto, foi o de sua geração – suicidou-se em 1940 quando da invasão nazi – só foi traduzido do holandês em 1996 e, portanto, sequer era do conhecimento de Kondratiev, ou dos outros participantes da debate russo de 1928 no Instituto da Conjuntura. Pareto escreveu, também, sobre as ondas longas. (…)

Ver: ARCARY, Valério: Será que existem as ondas longas de Kondratiev?. Disponível gratuitamente para download em: https://www.academia.edu/15551898/Ser%C3%A1_que_existem_as_ondas_longas_Kondratiev. Acesso em 09/12/2018.

 

Fonte: Wikipedia. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Joseph_Schumpeter.

7 «Ernest Mandel et la pulsation de L’histoire», in ACHCAR, Gilbert. Le marxisme d’Ernest Mandel, Paris, PUF , 1999, p. 82/3,).

8 Idem. Quando o primeiro ensaio de Kondratieff sobre os «longos ciclos na economia» apareceu em 1922, seu autor estava provavelmente convencido de que sua descrição e suposições seriam objeto de um amplo acordo, e ele não pode esconder sua surpresa com a afiada crítica formulada por Trotsky contra seu texto. Em um artigo publicado no verão de 1923, Trotsky usou os dados publicados pelo Times de Londres para demonstrar que «a curva do desenvolvimento capitalista» conhecia, de tempos em tempos, viradas bruscas, sob o impacto de eventos exógenos, tais como revoluções, guerras ou outras perturbações políticas (a cronologia proposta Trotsky sobre pontos de viragem na tendência foi a seguinte: 1781-1851, 1851-1873, 1873-1894, 1894-1913, 1913 - ... Corresponde muito de perto às periodizações avançadas por outros autores (...) que Trotsky provavelmente não conhecia. A convergência de tantos autores sobre a cronologia, embora trabalhassem independentemente uns dos outros, salienta as características distintivas dos desenvolvimentos históricos do capitalismo no século XIX, que equivaliam a criticar Kondratiev por sua tentativa de apresentar todos os fatores políticos como fatores endógenos. Em outras palavras, ignorar a autonomia dos processos sociais em relação à esfera econômica.

9 CEZAR FILHO, Almir. Crise, ciclo e desenvolvimento no capitalismo. In: http://teoriaerevolucao.pstu.org.br/crise-ciclo-e-desenvolvimento-no-capitalismo/. Acesso em: 02/12/2018.