ONDE HÁ DOR HÁ LUCRO: o triste retrato dos imigrantes haitianos no Brasil e em Santa Catarina
08.10.15
A imigração é uma expressão global do direito de ir e vir. Uma conquista e um direito que todo e qualquer ser-humano, mulher ou homem, têm o direito de exercer, independente de sua condição social, crença ou raça. No entanto, ao menos para um setor mais conservador da sociedade brasileira, parece-me que esta conquista não é válida. Pelo menos para aqueles diferentes de seus congêneres.
Por isso, não é de se estranhar a repercursão que vem causando a imigração de centenas (ou alguns milhares) de haitianos para nosso estado. É bem verdade que, contrárias às manifestações racistas, xenófobas e fascistas referentes à chegada de trabalhadores haitianos ao país, há também outros setores da sociedade que se solidarizam com a situação pela qual passam estes imigrantes, que se vêm a nosso estado é procurando a dignidade que lhes foi roubada em seu país de origem.
Em todo o discurso contra medidas aplicadas em favor de imigrantes haitianos há um discurso racista disfarçado de nacionalista. O Brasil está com suas tropas militares no Haiti há mais de 10 anos. E durante todo este tempo não fez mais do que reprimir o povo haitiano para garantir interesses de grandes empresas (Disney, Levi's...) com sedes no exterior. A Minustah - que atualmente conta com aproximadamente 8.800 efetivos - foi destacada pouco depois da derrubada do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, em uma revolução protagonizada pelos trabalhadores em 2004. Conta com tropas de 16 países, sendo o Brasil o lider, por contar com o maior efetivo: 1.200 homens.
A ocupação militar no Haiti, liderada desde sempre pelo governo brasileiro (sem nenhuma oposição na câmara e senado), segue massacrando a população do país caribenho. Segundo organizações de "direitos humanos", inúmeras pessoas foram assassinadas e feridas pelos capacetes azuis da Minustah (Missão para Estabilização do Haiti da ONU, na sigla em francês), a partir de 2004. Desde então foram registrados massacres, torturas, estupros e outras agressões contra a população civil, sobretudo nas favelas.
O episódio mais violento foi registrado em 6 de julho de 2005, quando as forças da Minustah, com mais de 300 soldados, 18 tanques e pelo menos um helicóptero, realizou uma grande ofensiva em Cité Soleil. O alvo oficial era Dread Wilme, acusado de ser um líder de gangues. Evidências coletadas por diversos investigadores logo após a ação indicam que a Minustah foi protagonista de um enorme massacre. Dois dias depois, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira e o coronel Jacques Morneau afirmaram que desconheciam acidentes com civis e caracterizaram a operação como um sucesso. O coronel Morneau levantou a hipótese de que as mortes foram obra das gangues. No entanto, as provas coletadas contradizem esta afirmação e indicam que a Minustah, incluindo soldados situados no helicóptero, atiraram em civis desarmados, dentro de suas casas, destruindo-as. Cerca de 60 corpos foram encontrados.
O Haiti continua sendo o país mais pobre da América, onde mais de 75% da população vive com menos de US$ 2 por dia e apenas a quarta parte das rodovias são pavimentadas. Com a guerra e os golpes de Estado, a indústria têxtil haitiana diminuiu cerca de 80%, mas ainda representa 10% do PIB e 68% das exportações do país. Falta energia elétrica todos os dias e cerca de 80% da população está desempregada. Pelas tabelas oficiais, uma costureira na capital, Porto Príncipe, deveria receber US$ 0,50 por hora, contra US$ 3,27 no Brasil e US$ 16,92 nos EUA.
Para além do discurso oficial da ONU, de que a Minustah é uma missão humanitária e blá-blá-blá, os fatos concretos apontam para uma intervenção em defesa da manutenção de interesses estrangeiros associados às classes dominantes locais. Prova disso é a declaração do comandante da Minustah, o general brasileiro Heleno Ribeiro Pereira, que diante de uma comissão parlamentar no Congresso Brasileiro afirmou sobre o USA, Canadá e França: "Estamos sob extrema pressão da comunidade internacional para usar a violência". Em 2004, em entrevista à Rádio Metrópole, o general afirmou: "Nós temos que matar os bandidos, não qualquer um, só os bandidos".
Bandidos, no caso, são aqueles que se opuseram e se opõem à ocupação de seu país por tropas estrangeiras. Do outro lado estão as classes dominantes haitianas, latifundiários e grandes burgueses, cerca de 3% da população, representada essencialmente pelos grandes empresários Reginald Boulos, Charles Henry Baker, Jean Claude Bajeux e Andre Apaid.
A culpa é do imperialismo
Em 2011, o site WikiLeaks disponibizou documentos que deixavam clara a intervenção direta dos Estados Unidos para a manutenção do miserável salário mínimo haitiano. Segundo o documento, a embaixada estadunidense se reuniu, em 2009, a portas fechadas, com proprietários de fábricas contratadas pelas empresas Levi's, Hanes e Fruits of Londom com o intuito de bloquear o aumento do salário mínimo reivindicado pelos trabalhadores da indústria têxtil. Na ocasião os trabalhadores lutavam por um salário bruto de 62 centavos de dólar por hora, o que equivaleria a 5 dólares por 08 extenuantes horas de trabalho.
As gigantes multinacionais não queriam conceder mais "privilégios" para os trabalhadores da indústria têxtil, que já davam grande despesa mensal para os empresários com um salários diários de 70 gourdes por dia, ou 1 dólar e 75 centavos de remuneração diária. Isto é, 0,22 centavos de dólar por hora trabalhada.
Em todo o discurso contra medidas aplicadas em favor de imigrantes haitianos há um discurso racista disfarçado de nacionalista. O Brasil está com suas tropas militares no Haiti há mais de 10 anos. E durante todo este tempo não fez mais do que reprimir o povo haitiano para garantir interesses de grandes empresas (Disney, Levi's...) com sedes no exterior. A Minustah - que atualmente conta com aproximadamente 8.800 efetivos - foi destacada pouco depois da derrubada do ex-presidente Jean-Bertrand Aristide, em uma revolução protagonizada pelos trabalhadores em 2004. Conta com tropas de 16 países, sendo o Brasil o lider, por contar com o maior efetivo: 1.200 homens.
A ocupação militar no Haiti, liderada desde sempre pelo governo brasileiro (sem nenhuma oposição na câmara e senado), segue massacrando a população do país caribenho. Segundo organizações de "direitos humanos", inúmeras pessoas foram assassinadas e feridas pelos capacetes azuis da Minustah (Missão para Estabilização do Haiti da ONU, na sigla em francês), a partir de 2004. Desde então foram registrados massacres, torturas, estupros e outras agressões contra a população civil, sobretudo nas favelas.
O episódio mais violento foi registrado em 6 de julho de 2005, quando as forças da Minustah, com mais de 300 soldados, 18 tanques e pelo menos um helicóptero, realizou uma grande ofensiva em Cité Soleil. O alvo oficial era Dread Wilme, acusado de ser um líder de gangues. Evidências coletadas por diversos investigadores logo após a ação indicam que a Minustah foi protagonista de um enorme massacre. Dois dias depois, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira e o coronel Jacques Morneau afirmaram que desconheciam acidentes com civis e caracterizaram a operação como um sucesso. O coronel Morneau levantou a hipótese de que as mortes foram obra das gangues. No entanto, as provas coletadas contradizem esta afirmação e indicam que a Minustah, incluindo soldados situados no helicóptero, atiraram em civis desarmados, dentro de suas casas, destruindo-as. Cerca de 60 corpos foram encontrados.
O Haiti continua sendo o país mais pobre da América, onde mais de 75% da população vive com menos de US$ 2 por dia e apenas a quarta parte das rodovias são pavimentadas. Com a guerra e os golpes de Estado, a indústria têxtil haitiana diminuiu cerca de 80%, mas ainda representa 10% do PIB e 68% das exportações do país. Falta energia elétrica todos os dias e cerca de 80% da população está desempregada. Pelas tabelas oficiais, uma costureira na capital, Porto Príncipe, deveria receber US$ 0,50 por hora, contra US$ 3,27 no Brasil e US$ 16,92 nos EUA.
Para além do discurso oficial da ONU, de que a Minustah é uma missão humanitária e blá-blá-blá, os fatos concretos apontam para uma intervenção em defesa da manutenção de interesses estrangeiros associados às classes dominantes locais. Prova disso é a declaração do comandante da Minustah, o general brasileiro Heleno Ribeiro Pereira, que diante de uma comissão parlamentar no Congresso Brasileiro afirmou sobre o USA, Canadá e França: "Estamos sob extrema pressão da comunidade internacional para usar a violência". Em 2004, em entrevista à Rádio Metrópole, o general afirmou: "Nós temos que matar os bandidos, não qualquer um, só os bandidos".
Bandidos, no caso, são aqueles que se opuseram e se opõem à ocupação de seu país por tropas estrangeiras. Do outro lado estão as classes dominantes haitianas, latifundiários e grandes burgueses, cerca de 3% da população, representada essencialmente pelos grandes empresários Reginald Boulos, Charles Henry Baker, Jean Claude Bajeux e Andre Apaid.
A culpa é do imperialismo
Em 2011, o site WikiLeaks disponibizou documentos que deixavam clara a intervenção direta dos Estados Unidos para a manutenção do miserável salário mínimo haitiano. Segundo o documento, a embaixada estadunidense se reuniu, em 2009, a portas fechadas, com proprietários de fábricas contratadas pelas empresas Levi's, Hanes e Fruits of Londom com o intuito de bloquear o aumento do salário mínimo reivindicado pelos trabalhadores da indústria têxtil. Na ocasião os trabalhadores lutavam por um salário bruto de 62 centavos de dólar por hora, o que equivaleria a 5 dólares por 08 extenuantes horas de trabalho.
As gigantes multinacionais não queriam conceder mais "privilégios" para os trabalhadores da indústria têxtil, que já davam grande despesa mensal para os empresários com um salários diários de 70 gourdes por dia, ou 1 dólar e 75 centavos de remuneração diária. Isto é, 0,22 centavos de dólar por hora trabalhada.
Mas mesmo assim, a embaixada americana não ficou satisfeita. O chefe da missão, David E. Lindwall, disse que um aumento para 5 doláres “não leva em conta a realidade econômica”, e teria sido apenas uma medida “populista” para apelar “às massas desempregadas e mal-pagas”. Segundo este mesmo senhor, um aumento de tamanha magnitude provacaria um colapso nas finanças das empresas, o que acarretaria em uma onda de desemprego ainda maior no país, amplificando ainda mais o colapso social por que passa o país: cerca 3,3 milhões de habitantes (1 terço da população) está em risco iminente de fome.
Segundo o haitiano Franck Seguy, que acaba de defender sua tese de doutorado “A catástrofe de janeiro de 2010, a ‘Internacional Comunitária’ e a recolonização do Haiti”, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, sob orientação do professor Ricardo Antunes, o Haiti - ao contrário do que afirma a grande imprensa burguesa - não vem sendo ajudado. Pelo contrário! Mesmo com a extrema miséria, o Haiti é que ajuda a todos!
“A ajuda internacional ao Haiti é a grande mentira que a mídia conta”, disse o pesquisador. Em sua tese, ele sustenta que o catastrófico terremoto de janeiro de 2010, que deixou cerca de 300 mil mortos e 2,3 milhões de desabrigados, deu ao que ele chama de “Internacional Comunitária” – o conjunto de países hegemônicos e organizações a eles vinculadas, comumente chamados de comunidade internacional – a oportunidade de impor a recolonização do país. “Literalmente, o Haiti está se tornando uma colônia”, disse ele. “Não uma colônia como antigamente, a colônia de uma metrópole, mas é uma colônia do capital transnacional”.
O projeto de recolonização, afirma Seguy, já ficava claro no texto do “Plano de Ação para a Recuperação e o Desenvolvimento o Haiti” (PARDN), apresentado pelo governo haitiano dois meses depois do terremoto. Este plano, que fora apresentado aos seus "parceiros internacionais" e não à sociedade civil do país, representa, na prática, uma mera atualização de um estudo realizado pelo economista Paul Collier, da Universidade de Oxford, enviado ao Haiti pelo Secretário Geral da ONU, e que publicou o relatório dele em janeiro de 2009”, explicou o pesquisador. Em suma, o que está sendo aplicado é um plano anterior ao próprio terremoto e com a exclusão de empresas haitianas do setor da construção civil.
O Haiti é dividido em departamentos, e a capital Porto Príncipe - local onde ocorreu o terremoto - se situa no Departamento Oeste. Contudo, no que concerne à “reconstrução” do país, a região que vem sofrendo intervenção é o Departamento Nordeste, no outro lado da ilha, mais especificamente no parque fabril de Caracol (construído em boa parte com dinheiro oriundo de ajuda humanitária e não de investimentos privados), em um terreno de “250 hectares de terras cultivadas por famílias campesinas, que o governo expropriou”. Tanto que, segundo um levantamento da agência de notícias Reuters, ainda havia, no final do ano de 2014, mais de 150 mil pessoas morando em tendas e abrigos improvisados e insalubres na capital, sem as menores condições de higiene, sem água limpa e sequer pias para lavar as mãos.
“No dia 11 de janeiro de 2011, ou seja, um dia antes do primeiro aniversário do terremoto, o governo haitiano havia assinado um acordo com a secretária de Estado estadunidense, Hillary Clinton, junto a representantes do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a companhia de têxtil coreana, Sae-A Trading, em virtude do qual os 366 lares de agricultores que trabalhavam 250 hectares de terras das mais férteis do município precisavam ser expropriados para deixarem o lugar à construção de uma zona dita industrial”, diz a tese. As famílias que tiveram suas terras desapropriadas ainda aguardam indenização.
A intenção é clara: explorar a mão de obra qualificada e experiente dos haitianos para que grandes empresas se aproveitem de uma série de leis dos Estados Unidos, que permitem que produtos manufaturados haitianos entrem no país sem pagar tarifas, para estabelecer uma série de zonas francas para a produção têxtil. Dado que o Haiti já produzira uma indústria têxtil relativamente consistente, o rebaixamento do custo de uma mão de obra bastante competente acarreta em produtos de qualidade aliados a um baixíssimo custo de produção, inferior inclusive ao custo da produção asiática, com a enorme vantagem da curta distância entre os dois países.
Asituação dramática dos imigrantes haitianos no país e em Santa Catarina
A viagem até o Brasil não é nada fácil para estes haitianos. A começar pela saída de seu país. Tendo como parâmetro os baixíssimos salários pagos no Haiti e a situação de verdadeiro caos social, com a grande maioria da população desempregada, note-se o quão é difícil arrecadar fundos para a saída do país na busca de uma vida um pouco menos indigna.
Famílias inteiras empenham-se na tarefa para que um, no máximo dois integrantes conquistem o dinheiro necessário para deixar a ilha. No total são necessários, entre passagens, gastos com os coiotes (atravessadores e aliciadores) e suborno de policiais no Peru para atravessar a fronteira, algo em torno de 15 mil reais. Daí já se tem a ideia da verdadeira epopeia que é migrar para o Brasil.
Não bastasse isso, os recém-chegados são alojados em instalações precárias, aos montes, como se fossem bichos. Do Acre, sua porta de entrada para o Brasil, partem geralmente para São Paulo e, de lá, para os estados do sul do país. Alguns vão também para o Rio de Janeiro.
A situação no país de origem é tão ruim, que aceitam a exploração como forma de alimentar o sonho de um dia melhorar de vida e conseguir enviar dinheiro para ajudar seus familiares. Não a toa são empregados assim que chegam, em muitos casos. Não que o estado ou setores burgueses e pequeno-burgueses estejam empenhados na socialização dos imigrantes aqui no país. Pelo contrário! Aproveitando-se do medo de possíveis represálias, ou simplesmente do medo de retornarem de mãos vazias, exploram severamente estes trabalhadores em empregos muitas vezes subumanos.
Em São Paulo, por exemplo, é muito comum haitianos e bolivianos irem trabalhar em oficinas de costura. Estes imigrantes trabalham até 16 horas por dia, seis dias na semana, amontoados em salas claustrofóbicas. Em casos mais extremos, dividem alojamentos improvisados e insalubres, instalados anexos às oficinas onde trabalham e recebem uma remuneração mensal equivalente a R$ 300,00 por mês, sobre a qual é aplicada descontos ilegais referentes a hospedagens e à alimentação.
Esses casos de escravidão desnudam não somente a situação precária nas quais são recebidos e instalados estes imigrantes, mas principalmente desmascara o caráter humanitário da burguesia brasileira. Somente em São Paulo já foram desmontadas 50 oficinas até agora, todas estas com condições de trabalhos análogas às citadas acima. E o pior: legalmente os imigrantes têm o mesmo direito que um trabalhador brasileiro, mas não sabem disso!
Já em Santa Catarina, se (ainda?) não se tem registrado casos que expõem claramente trabalho escravo, também não dá para afirmar que as vidas dos imigrantes da ilha caribenha são um mar de rosas. Nesta ilha aqui, por exemplo, não é difícil encontrá-los trabalhando em locais por nós já "desprezados", tamanha a exploração e a precariedade do trabalho.
E mesmo aqueles que conseguem um emprego menos brutalizante, muitas vezes têm que trabalhar duas ou até três horas a mais para ter um salário compatível com a média do trabalhador brasileiro, pois percebem um salário que varia de 30 a 50% abaixo da média local. Eis o caso de Jeremi Dozina, em Florianópolis desde 2014, que em uma matéria publicada pela Folha, afirma: "Geralmente trabalho de segunda a sábado, folgando aos domingos. Estou registrado no trabalho, recebo um salário mínimo, mas não estou completamente regularizado. Ainda hoje só tenho o número de protocolo de entrada no país, que todos os haitianos recebem quando chegam. No Haiti não há tantas pizzarias como aqui. Lá a maioria da população não consegue comprar uma pizza, que é uma comida considerada de rico."
E por todo o estado a situação se repete. Em Chapecó e municípios limítrofes, por exemplo, eles são empregados nos frigoríficos da região, carente de mão de obra local tamanha a insalubridade dos postos de trabalho. Conhecidas como fábricas de mutilação, os frigoríficos recorreram antes a imigrantes argentinos, fugidos da crise de 2001, mas hoje recorrem aos haitianos, pois aqueles preferiram retornar a Argentina a ter que aturar o regime de trabalho dos frigoríficos.
Famílias inteiras empenham-se na tarefa para que um, no máximo dois integrantes conquistem o dinheiro necessário para deixar a ilha. No total são necessários, entre passagens, gastos com os coiotes (atravessadores e aliciadores) e suborno de policiais no Peru para atravessar a fronteira, algo em torno de 15 mil reais. Daí já se tem a ideia da verdadeira epopeia que é migrar para o Brasil.
Não bastasse isso, os recém-chegados são alojados em instalações precárias, aos montes, como se fossem bichos. Do Acre, sua porta de entrada para o Brasil, partem geralmente para São Paulo e, de lá, para os estados do sul do país. Alguns vão também para o Rio de Janeiro.
A situação no país de origem é tão ruim, que aceitam a exploração como forma de alimentar o sonho de um dia melhorar de vida e conseguir enviar dinheiro para ajudar seus familiares. Não a toa são empregados assim que chegam, em muitos casos. Não que o estado ou setores burgueses e pequeno-burgueses estejam empenhados na socialização dos imigrantes aqui no país. Pelo contrário! Aproveitando-se do medo de possíveis represálias, ou simplesmente do medo de retornarem de mãos vazias, exploram severamente estes trabalhadores em empregos muitas vezes subumanos.
Em São Paulo, por exemplo, é muito comum haitianos e bolivianos irem trabalhar em oficinas de costura. Estes imigrantes trabalham até 16 horas por dia, seis dias na semana, amontoados em salas claustrofóbicas. Em casos mais extremos, dividem alojamentos improvisados e insalubres, instalados anexos às oficinas onde trabalham e recebem uma remuneração mensal equivalente a R$ 300,00 por mês, sobre a qual é aplicada descontos ilegais referentes a hospedagens e à alimentação.
Esses casos de escravidão desnudam não somente a situação precária nas quais são recebidos e instalados estes imigrantes, mas principalmente desmascara o caráter humanitário da burguesia brasileira. Somente em São Paulo já foram desmontadas 50 oficinas até agora, todas estas com condições de trabalhos análogas às citadas acima. E o pior: legalmente os imigrantes têm o mesmo direito que um trabalhador brasileiro, mas não sabem disso!
Já em Santa Catarina, se (ainda?) não se tem registrado casos que expõem claramente trabalho escravo, também não dá para afirmar que as vidas dos imigrantes da ilha caribenha são um mar de rosas. Nesta ilha aqui, por exemplo, não é difícil encontrá-los trabalhando em locais por nós já "desprezados", tamanha a exploração e a precariedade do trabalho.
E mesmo aqueles que conseguem um emprego menos brutalizante, muitas vezes têm que trabalhar duas ou até três horas a mais para ter um salário compatível com a média do trabalhador brasileiro, pois percebem um salário que varia de 30 a 50% abaixo da média local. Eis o caso de Jeremi Dozina, em Florianópolis desde 2014, que em uma matéria publicada pela Folha, afirma: "Geralmente trabalho de segunda a sábado, folgando aos domingos. Estou registrado no trabalho, recebo um salário mínimo, mas não estou completamente regularizado. Ainda hoje só tenho o número de protocolo de entrada no país, que todos os haitianos recebem quando chegam. No Haiti não há tantas pizzarias como aqui. Lá a maioria da população não consegue comprar uma pizza, que é uma comida considerada de rico."
E por todo o estado a situação se repete. Em Chapecó e municípios limítrofes, por exemplo, eles são empregados nos frigoríficos da região, carente de mão de obra local tamanha a insalubridade dos postos de trabalho. Conhecidas como fábricas de mutilação, os frigoríficos recorreram antes a imigrantes argentinos, fugidos da crise de 2001, mas hoje recorrem aos haitianos, pois aqueles preferiram retornar a Argentina a ter que aturar o regime de trabalho dos frigoríficos.
Receber os imigrantes haitianos, refugiados de seu país, em Santa Catarina, não transforma a burguesia catarinense em uma classe social mais humanitária. Nós, catarinenses e brasileiros, devemos nos solidarizar com o povo haitiano e repudiar a ação truculenta da Minustah, que tanto tem colaborado para a manutenção das políticas imperialistas na região. Devemos exigir do governo brasileiro a retirada imediata das tropas do Haiti, pois além de prejuízo para os cofres públicos (bilhões já foram gastos), há também o desrespeito ao ser humano, ao próximo.
Não devemos jogar nas costas dos imigrantes a responsabilidade por nossas mazelas. Eles não roubam nossos empregos, como a imprensa muitas vezes sugere. Nem tampouco são contemplados com bons cargos em boas empresas. Pelo contrário: se há oferta de trabalho para os haitianos é pelo fato de os empresários daqui utilizá-los para impor uma exploração que estão tendo dificuldade de manter para os trabalhadores brasileiros. Compreender as dificuldades pelas quais passam estes imigrantes é um passo importante para combater a xenofobia e dizer NÃO AO RACISMO! Trabalhadores não têm pátria! Devemos antes de tudo questionar nossos valores, nossos preceitos e lutar com todas as nossas forças contra toda e qualquer forma de exploração, lado a lado não somente com os haitianos, mas com todos os trabalhadores. Afinal, há ser humano melhor que outro?
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Publicado originalmente em PSTU Florianópolis
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Dialogando:
- Empresas haitianas ficam fora da reconstrução do país;
- Estrangeiros resgatados de escravidão no Brasil são a "ponta de iceberg";
- Fiscalização resgata haitianos escravizados em oficina de costura em São Paulo;
- Um ano após aventura para chegar ao Brasil, haitiano faz pizza em Santa Catarina;
- A catástrofe de janeiro de 2010, a "Internacional Comunitária" e a recolonização do Haiti (Tese Dr.);
- Direitos Humanos de SP encontra e encaminha imigrantes haitianos feridos ao hospital;
- Avaí F.C. lança vídeo contra xenofobia: "Pode um ser humano ser menos humano que outro?".