Pensamento
Só se pode viver perto de outro,
e conhecer outras pessoas, sem perigo de ódio,
se a gente tem amor.
Qualquer amor já é um
pouquinho de saúde,
um descanso de loucura.
João Guimarães Rosa
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Só se pode viver perto de outro,
e conhecer outras pessoas, sem perigo de ódio,
se a gente tem amor.
Qualquer amor já é um
pouquinho de saúde,
um descanso de loucura.
João Guimarães Rosa
A lenha espocava na fogueira.
Lá fora o agricultor trabalhava
à espera do almoço,
que não tarda nunca em sair.
Em casa, o feijão esquenta na panela
enquanto a mulher alimenta as galinhas.
Todos os dias são iguais no campo...
Ai, meu Deus, que solidão.
É costume na Ilha de Santa Catarina, entre o povo nativo da região, descendente de açorianos, crer que quatro vezes ao ano, no início de cada nova estação, as bruxas reúnem-se com o Diabo e beijam-lhe o rabo, em reunião, para planejarem as maldades nesse período. Segundo a tradição, bruxas preferem atacar pessoas impertinentes, mas não só, gostando também de prejudicar crianças e fazer maldades contra outras pessoas. Para afugentá-las criou-se essa reza:
ORAÇÃO CONTRA AS BRUXAS
Pela cruz de São Saimão
Que te benzo com a vela benta
na sexta-feira da paixão.
Treze raios tem o sol,
treze raio tem a lua.
Salta demônio para o inferno,
pois esta alma não é tua.
Tosca Marosca,
rabo de rosca.
Aguilhão nos teus pés
e relho na tua bunda.
Por baixo do telhado
São Pedro, São Paulo e São Fontista.
Por cima do telhado
São João Batista.
Bruxa tatarabruxa,
tu não me entres nesta casa,
nem nesta comarca toda.
Por todos os santos, dos santos,
Amém!
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Leia também:
Aprendi com o Rodrigo de Haro
que Poesia é plasticidade.
Com o Rodrigo de Haro entendi
que o poeta é simples e espontâneo,
como aquela senhora
debruçada ao pé do oratório
rezando para a Virgem Maria.
Cansado eu me retiro do trabalho. Sete horas da noite e essa merda de semana que não passa. Sempre digo que o trabalho numa repartição é o mais enfadonho, pois se cumpre um expediente vazio e sem muito o que fazer. O motivo que me faz trabalhar nessa porcaria de emprego não é o ônus que recebo por vender minha força de trabalho, mas simplesmente o aconchego e tranqüilidade que essa função me proporciona. Consegui esse trabalho por indicação de um amigo, há sete anos, e desde então não saí mais -- mera conveniência dada por uma brincadeira boba do destino.
Geralmente freqüento o Bar Brasil, na Alameda do Rato, após o expediente. Porém hoje, arbitrariamente hoje, estou sem saco para aturar as brincadeiras da Rosana Chupa-Rolas, aquela vadia gorda que trabalha no bar e acha que é gostosa. Hoje vou para casa dar um cheiro na Lurdinha e transar com ela de tudo quanto é jeito. Lurdinha é mulher fogosa e me ama. É o tipo de mulher feita para ter vários maridos, dois ou três por noite, dependendo do movimento e da necessidade. Acontece que atitudes desse tipo não fazem parte de seu gênio. Se assim fosse estaria até hoje me aturando?
Sempre que chego em casa me recepciona aos beijos, com carinhos e um sorriso lindo. Mesmo nos dias em que digo não, em que não correspondo aos seu afagos, ela se resigna a dar-me um beijo e dizer: -- "Tudo bem, querido! Amanhã faremos xenhenhem..." Por isso é que estou indo mais cedo para casa hoje, com uma linda rosa e um cartão nas mãos. Hoje aquela safada gostosa não me escapa; aquela depravada será minha. Hoje ela verá quem é Leocádio Santos.
Já avisto atrás da curva meu barraco. Aquela casinha azul, ali, modesta -- cenário comum às nossas obscenidades amorosas --, crepitará chamuscante logo mais. Lurdinha arderá fogosa em nossa cama, semovente como uma vampira ávida por sangue. É sempre assim com ela: quando a como sempre fica uma fresta da janela aberta no intuito de que alguém nos veja. Dá mais excitação e a faz gozar mais gostoso -- coisa que geralmente faz com a buceta em minha boca.
Chego em casa e abro, já louco, o portão devagar, como para fazer uma surpresa -- Lurdinha adora surpresas. Porém, quando entro no terreno, percebo que a janela está entreaberta e que, no quarto está Lurdinha com outro homem. De quatro ela geme e sua feito cadela no cio, pedindo pau e querendo ser chamada de puta. Louco e transtornado, penso entrar na casa e acabar lentamente com os dois enquanto transam e gozam. Porém, percebendo que tudo isso faz parte de um jogo, espio ansioso Lurdinha gozar, ciente de que ela sabe de minha presença.
Estranho é que parece ainda mais gostosa e insinuante no corpo de outro homem -- espécie de ritual de preparação para desejos incontroláveis. Com um puta tesão nada faço; espero apenas o tempo passar, até que se anuncie a hora de minha costumeira chegada, prenúncio amoroso da nossa hora marcada.
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* Resumo do conto homônimo escrito no mesmo dia.
Entre o Ser e o não-ser
... Ele vai Sendo.
Crescendo e sozinho, sempre,
vai traçando seu destino
como manda o figurino
de um menino carente.
Sem ambições, mas com perspectivas,
vai lutando sozinho...
Tentando um dia ser gente.